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sábado, 24 de julho de 2010

Não é só aqui que o PIG é porco – também lá


Uma funcionária desconhecida do Ministério da Agricultura dos EUA passou a ser protagonista de uma história bizarra que chamou a atenção nacional (nos States, claro) ao longo da semana e deveria ser lembrada como um exemplo dos danos que a temeridade do jornalismo alinhado, opostunista, calcado em ranço político/ideológico são capazes de infligir a uma pessoa e toda a sociedade.


Neste caso, a vítima mostrou um comportamento sensato e humano num contexto que é uma vergonha moral à toda elite ologárquica de lá.


A coisa parece que termina bem, pois ontem Barack Obama se desculpou ao país por danos causados a Shirley Sherrod, a funcionaria em questão, num episódio que ele não é o único culpado, mas um entre muitos. Na quinta-feira, ele telefonou para pedir desculpas pessoalmente. "Isso acontece porque vivemos num meio de cultura em que algo aparece no YouTube ou um blog e depois monta o grande confusão a respeito e tudo sai de controle", disse Obama numa entrevista à televisão.


O nome de Sherrod, que é negra, apareceu pela primeira vez na mídia na ultima segunda-feira, quando um site de extrema-direita, Breitbart.com, reproduziu uma declaração fora de contexto pinçada de um discurso, que sugere que tempos atrás, fato ocorrido em maio de 1987, um agricultor teria sido discriminado por ela por ser branco.


Em poucos minutos, a frase estava viajando todos os sites e canais de notícias de televisão com os comentários dos analistas e “especialistas” (é lá como cá), condenando o comportamento inaceitável de um funcionário público e exigindo a sua demissão. Menos de 24 horas depois, um assistente do secretário da Agricultura, Tom Vilsack, determinou que ela renunciasse ao cargo.


Sherrod tentou explicar que fora tudo um mal entendido, que suas palavras foram distorcidas tendenciosamente, mas ninguém se preocupou em ouvir. Só mais tarde, depois que ela foi demitida e os meios de comunicação tinham consumido completamente o engodo, Sherrod conseguiu entregar uma cópia completa de seu discurso e demonstrar que seu comportamento não só não era racista, mas muito generoso. Essa peça histórica agora também está no VocêTuba, aqui. O trecho clipado e editado foi exatamente no minuto 21:00, como pode ser visto também no VocêTuba, aqui.


O famoso discurso, que foi proferido em março de 2010, na Geórgia, numa reunião da NAACP, a principal organização de defesa de direitos dos negros, durou 45 minutos. Nele, Sherrod se refere a um caso que ocorreu 23 anos atrás, quando trabalhava para uma ONG que dá assistência a pequenos agricultores, em que ela prestou uma assessoria a um fazendeiro branco que estava na mesma situação complicada, igual a que muitos agricultores negros sofreram em outros tempos. O trecho de dois minutos reproduzido pela mídia raivosa (de direita toda ela) deu a impressão de que Sherrod agiu discriminando o homem, mas a verdade foi é que resgatou o seu negócio e sua própria existencia. O próprio agricultor em questão, vendo o escândalo que se montou sobre o caso veio em auxilio dela e afirmou categoricamente que mantém eterna gratidão para com Sherrod.


Mas nenhum dos que reproduziram o vídeo editado e manipulado, ou que com ele se indignaram de seu conteúdo, tiveram o cuidado de chamar o agricultor e ouvir sua versão: nem jornalistas, nem o secretário da Agricultura. Ninguém se preocupou tampouco em ouvir o discurso de Sherrod na íntegra. Ninguém exigiu da Breitbart.com provas sobre a procedência da sua denuncia. É claro que não teria sido assim se o réu fosse Bill Gates, mas Sherrod era uma desconhecida, que se pode atacar sem risco.


A estranha coincidência foi de que o vídeo pseudo-racista Sherrod surgiu jiustamente após um fim de semana em que uma outra convenção da NAACP tinha levantado queixas fundamentadas do racismo intrínseco dos membros da Tea Party, que é como são chamados os fundamentalistas conservadores americanos.


"Me cansei de dizer: espere um pouco, veja o discurso completo. Mas ninguém me ouviu", disse Sherrod na quarta-feira, amarga e frustrada. O secretário da Agricultura já havia pedido para retormar ao seu posto, mas agora não está mais inclinada a aceitar a oferta.


É evidente neste caso, a má intenção de alguns dos agentes políticos, a negligência de grande parte da mídia alinhada – mesmo jornais respeitáveis deram grande repercussão ao caso - o New York Times fez um editorial de condenação e a Fox News (que novidade!) converteu o caso numa bandeira de causa, semeando pânico entre políticos que se intimidam ante as críticas. O que permanece completamente desconhecido é o tanto de responsabilidade do próprio Obama neste caso. De saída é, teoricamente, o superior direto do Secretário Vilsack, que exonerou Herrod.


O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, garantiu que o presidente não foi informado do caso até a manhã de terça-feira e em nenhum momento pediu para tomar medidas concretas contra Sherrod. Mesmo que assim fosse, como o primeiro presidente negro EUA, como seus colegas, é refém do medo de comparecer perante o público como um defensor de sua raça.


Mas com o forte resurgimento de valores facistas nos EUA esse caso ainda vai produzir importantes desdobramentos. O conflito racial também volta a linha de frente com muitas arestas mal aparadas, que agora aparecem, como se pode ver neste artigo publicado pelo ótimo Huffington Post, um contraponto liberal à coisas brucutu como o conservador Breitbart.com.

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