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segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Transformaram Mandela numa boneca Barbie




por  Greg Palast no Truthout -  tradução de Ana 
Amorim


Eu não aguento mais.... a semana inteira assisti Nelson Mandela ser reduzido a uma boneca Barbie. Da empresa de notícias Fox até a família Bush, os políticos e especialistas de mídia que bloquearam o Movimento anti-Aphartheid e que não tiveram problema nenhum em manter Mandela por detrás das grades por 27 anos, vestem hoje a sua imagem da maneira que lhes é mais conveniente.

Pobre Mandela. Se não é uma boneca, é uma estátua. Ele se junta agora a Martin Luther King como outro monumento em bronze cuja função é nos dizer que o Aphartheid foi “derrotado” - citando a ridícula manchete doTimes (NYT).

É mais nauseante do que hipocrisia e ignorância. A Barbie Mandela veste uma nova versão do racismo, Apartheid 2.0, que esta piorando tanto na África do Sul como nos Estados Unidos.

A classe dominante cria bonecos comemorativos e estátuas de revolucionários como forma de nos dizer que as suas causas estão ganhas, e portanto podemos ir para casa.

Por exemplo, alguns meses atrás, a Suprema Corte dos Estados Unidos anulou o Ato dos Direitos ao Voto, o maior feito do Martin Luther King, sob a alegação enganosa de que, “evasões discriminatórias flagrantes são raras”, e assim, as práticas eleitorais Jim Crow agora foram “erradicadas.”

“Erradicada?” Em que planeta? A última movimentação dos Republicanos da Flórida para remover 181.000 eleitores de cor – assim como o mau cheiro das favelas de Cape Town – deixam claro que nem Jim Crow, nem o Apartheid foram derrotados. Eles apenas se retiraram temporariamente.

Aliás, os nosso superiores nos EUA e na Europa declararam que King acabou com a segregação, Mandela derrotou o Apartheid; e portanto, as novas vítimas da injustiça racial deveriam calar a boca e deixar de se lamentar.


O homem que andou lado a lado de Mandela

Para substituir os Mandelas de plástico e metal por um de carne e osso, eu conversei com Danny Schechter, um reporter que conheceu Mandela pessoalmente, e mais profundamente, do que qualquer outro jornalista norte-americano.Um dos grandes de sua geração, Schechter produziu o  South Africa Now, um programa semanal para a estação de televisão PBS, de 1988-91, trazendo a causa de Mandela para os norte-americanos estupidificados e entorpecidos pela isca vermelha de Ronald Reagan.

Schechter acaba de completar a difícil tarefa de produzir o documentário oficial que se faz par à versão de Hollywood da vida de Mandela,  Long Walk to Freedom [Longo Caminho para a Liberdade]. O filme ficcional é sobre triunfo e perdão. O documentário de Schechter,  Inside Mandela [Mandela Confidencial], oferece muito disso, mas conhecendo Mandela, Schechter inclui a raiva, o desespero e o seu legado magoado: uma África do Sul corroída e ainda dominada pelo brutal apartheid econômico.
Hoje, uma família branca média possui quatro vezes mais renda do que uma família negra. Bem vindos a “liberdade.”

A imprensa dos EUA e Europa se concentraram na santificada habilidade de Mandela em solenemente abdicar da amargura e de todo desejo de vingança, e pelo seu perdão aos seus captores, semelhante a Jesus. Isso para assegurar a todos nós que “bons” revolucionários são aqueles que não responsabilizam ninguém por assassinatos, pilhagens, e horrores cobertos de sangue – ou exigem compensações. Esse é o Mandela vestido como Mahatma Gandhi – dando a outra face para bater, e beijando os seus carcereiros.

Schechter não brinca com bonecos mamulengos. Ele conheceu a Mandela pessoalmente - e Mandela como sendo um dentre um grupo de líderes revolucionários.

O círculo de Mandela sabia: Você não pode perdoar aqueles que você derrota até você derrotá-los. E apesar de todo o alarido, Mandela não derrotou o apartheid somente usando sua simpatia.

Nos anos 80, diz Schechter, os brancos sul africanos enfrentavam a seguinte dilema: Os cubanos derrotaram as tropas Sul Africanas na vizinha Angola estavam agora prontos para se mover para a África do Sul. Os vietnamitas que haviam derrotado o poderoso EUA estavam aconselhando as forças militares da ANC, sob comando de Mandela.

E assim, enquanto Mandela estendeu uma mão perdoando – na outra mão ele segurava Umkhonto we Sizwe, a lança no coração do apartheid. E os companheiros de Mandela deram um nó: um embargo internacional, embora permeável, que sitiou a economia sul-africana.

Vendo as inscrições na parede (e pressentindo o seu sangue no chão), os cartéis do ouro e diamante de propriedade dos brancos, a Anglo-American e DeBeers, apoiadas pelo Banco Mundial, vieram até Mandela com uma barganha: os negros africanos poderiam ter o poder de voto... mas não o poder econômico.

Mandela escolheu apertar a mão de seu demônio e aceitou a continuação do apartheid econômico. Em troca por salvaguardar os interesses do diamante e do ouro e proteger o controle da propriedade da terra, das minas e dos negócios pelos brancos, ele obteve a concessão da presidência, ou pelo menos o título e o escritório.

Foi uma barganha que fez sangrar o coração de Mandela. Ele enfrentou a ameaça direta de um embargo do capital, e tendo presente a sujeição sofrida pelo seus aliados Cubanos sobre a nacionalização dos recursos, Mandela engoliu o veneno com um sorriso forçado. Sim, uma nova classe média negra sul-africana recebeu uma fatia do “bolo” mineral, mas isso só muda a cor da mão que segura o chicote.

1% do Arco-Íris

No final, todas as revoluções representam uma coisa: os 99% versus o 1%. O tempo e a história podem mudar a cor do aristocrata, mas não a sua ganância, contra a qual Mandela parecia quase totalmente impotente.

Então a vida de Mandela foi em vão, a sua história de vida uma fraude? De forma alguma. Nenhum homem só é uma revolução.
Temos muito a aprender de uma ampla perspectiva da história de Mandela, de sua tão louvada compaixão pacífica assim como a sua muito acobertada determinação fria e cruel. A rachadura da parede da prisão do apartheid, o fim da guerra racial, se ainda não é uma paz racial, é um feito real de Mandela – e de seus companheiros revolucionários – cujos nomes em sua maioria nunca serão escritos em bronze.

Lendo o novo livro de Schechter Madiba A to Z: The Many Faces of Nelson Mandela (como Mandela é conhecido pelos negros Sul Africanos) e vendo o filme, não feito por Hollywood, de Schechter, fica uma forte impressão: De Moisés a Martin e Mandela, os nossos profetas nunca atingem a Terra Prometida.

Isso deverá ser realizado por nós. O caminho é longo. Comecem a andar.




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