Amorim
Eu não aguento mais.... a semana inteira assisti Nelson
Mandela ser reduzido a uma boneca Barbie. Da empresa de notícias Fox até a
família Bush, os políticos e especialistas de mídia que bloquearam o Movimento
anti-Aphartheid e que não tiveram problema nenhum em manter Mandela por
detrás das grades por 27 anos, vestem hoje a sua imagem da maneira que lhes é
mais conveniente.
Pobre Mandela. Se não é uma boneca, é uma estátua. Ele se junta agora a Martin Luther King como outro monumento em bronze cuja função é nos dizer que o Aphartheid foi “derrotado” - citando a ridícula manchete doTimes (NYT).
Pobre Mandela. Se não é uma boneca, é uma estátua. Ele se junta agora a Martin Luther King como outro monumento em bronze cuja função é nos dizer que o Aphartheid foi “derrotado” - citando a ridícula manchete doTimes (NYT).
É mais nauseante do que hipocrisia e ignorância. A Barbie Mandela veste
uma nova versão do racismo, Apartheid 2.0, que esta piorando tanto na
África do Sul como nos Estados Unidos.
A classe dominante cria bonecos comemorativos e estátuas de
revolucionários como forma de nos dizer que as suas causas estão ganhas, e
portanto podemos ir para casa.
Por exemplo, alguns meses atrás, a Suprema Corte dos Estados
Unidos anulou o Ato dos Direitos ao
Voto, o maior feito do Martin Luther King, sob a alegação enganosa
de que, “evasões discriminatórias flagrantes são raras”, e assim, as práticas
eleitorais Jim Crow agora
foram “erradicadas.”
“Erradicada?” Em que planeta? A última movimentação dos
Republicanos da Flórida para remover 181.000 eleitores de cor – assim como o
mau cheiro das favelas de Cape Town – deixam claro que nem Jim Crow, nem o Apartheid foram derrotados.
Eles apenas se retiraram temporariamente.
Aliás, os nosso superiores nos EUA e na Europa declararam
que King acabou com a segregação, Mandela derrotou o Apartheid; e
portanto, as novas vítimas da injustiça racial deveriam calar a boca e deixar
de se lamentar.
O homem que andou lado a lado de Mandela
Para substituir os Mandelas de plástico e metal por um de
carne e osso, eu conversei com Danny Schechter, um reporter que conheceu Mandela pessoalmente, e mais
profundamente, do que qualquer outro jornalista norte-americano.Um dos grandes
de sua geração, Schechter produziu
o
South Africa Now, um programa semanal para a estação de televisão PBS, de 1988-91, trazendo a causa de Mandela para os norte-americanos
estupidificados e entorpecidos pela isca vermelha de Ronald Reagan.
Schechter acaba
de completar a difícil tarefa de produzir o documentário oficial que se faz par
à versão de Hollywood da vida de Mandela, Long Walk to Freedom [Longo Caminho para a Liberdade]. O filme
ficcional é sobre triunfo e perdão. O documentário de Schechter,
Inside Mandela [Mandela Confidencial],
oferece muito disso, mas conhecendo Mandela, Schechter inclui a raiva, o
desespero e o seu legado magoado: uma África do Sul corroída e ainda dominada
pelo brutal apartheid econômico.
Hoje, uma família branca média possui quatro vezes mais
renda do que uma família negra. Bem vindos a “liberdade.”
A imprensa dos EUA e Europa se concentraram na santificada
habilidade de Mandela em
solenemente abdicar da amargura e de todo desejo de vingança, e pelo seu perdão
aos seus captores, semelhante a Jesus. Isso para assegurar a todos nós que
“bons” revolucionários são aqueles que não responsabilizam ninguém por
assassinatos, pilhagens, e horrores cobertos de sangue – ou exigem
compensações. Esse é o Mandela vestido
como Mahatma Gandhi –
dando a outra face para bater, e beijando os seus carcereiros.
Schechter não
brinca com bonecos mamulengos. Ele conheceu a Mandela pessoalmente -
e Mandela como sendo um dentre um
grupo de líderes revolucionários.
O círculo de Mandela sabia: Você não pode
perdoar aqueles que você derrota até você derrotá-los. E apesar de todo o
alarido, Mandela não derrotou o apartheid
somente usando sua simpatia.
Nos anos 80, diz Schechter, os brancos sul africanos
enfrentavam a seguinte dilema: Os cubanos derrotaram as tropas Sul Africanas na
vizinha Angola estavam agora prontos para
se mover para a África do Sul.
Os vietnamitas que haviam derrotado o poderoso EUA estavam aconselhando as
forças militares da ANC, sob comando de Mandela.
E assim, enquanto Mandela estendeu uma mão perdoando
– na outra mão ele segurava Umkhonto we Sizwe, a lança no coração
do apartheid. E os companheiros de Mandela deram um nó: um embargo
internacional, embora permeável, que sitiou a economia sul-africana.
Vendo as inscrições na parede (e pressentindo o seu sangue
no chão), os cartéis do ouro e diamante de propriedade dos brancos, a Anglo-American e DeBeers, apoiadas pelo Banco Mundial,
vieram até Mandela com
uma barganha: os negros africanos poderiam ter o poder de voto... mas não o
poder econômico.
Mandela escolheu
apertar a mão de seu demônio e aceitou a continuação do apartheid econômico.
Em troca por salvaguardar os interesses do diamante e do ouro e proteger o
controle da propriedade da terra, das minas e dos negócios pelos brancos, ele
obteve a concessão da presidência, ou pelo menos o título e o escritório.
Foi uma barganha que fez sangrar o coração de Mandela. Ele enfrentou a ameaça direta de
um embargo do capital, e tendo presente a sujeição sofrida pelo seus aliados
Cubanos sobre a nacionalização dos recursos, Mandela engoliu o veneno com um
sorriso forçado. Sim, uma nova classe média negra sul-africana recebeu uma
fatia do “bolo” mineral, mas isso só muda a cor da mão que segura o chicote.
1% do Arco-Íris
No final, todas as revoluções representam uma coisa: os 99%
versus o 1%. O tempo e a história podem mudar a cor do aristocrata, mas não a
sua ganância, contra a qual Mandela parecia quase totalmente
impotente.
Então a vida de Mandela foi em vão, a sua história
de vida uma fraude? De forma alguma. Nenhum homem só é uma revolução.
Temos muito a aprender de uma ampla perspectiva da história
de Mandela, de sua tão louvada compaixão
pacífica assim como a sua muito acobertada determinação fria e cruel. A
rachadura da parede da prisão do apartheid, o fim da guerra racial, se ainda
não é uma paz racial, é um feito real de Mandela – e de seus companheiros
revolucionários – cujos nomes em sua maioria nunca serão escritos em bronze.
Lendo o novo livro de Schechter Madiba A to Z: The Many Faces of Nelson Mandela (como
Mandela é conhecido pelos negros Sul Africanos) e vendo o filme, não feito por
Hollywood, de Schechter,
fica uma forte impressão: De Moisés a Martin e Mandela, os nossos profetas nunca atingem a
Terra Prometida.
Isso deverá ser realizado por nós. O caminho é longo.
Comecem a andar.
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