por
Miguel do Rosário, no Tijolaço (reprodução parcial)
A farsa
do mensalão está fazendo água, apavorando a mídia com a possibilidade de uma
histórica e talvez definitiva derrota política.
Ela perdeu várias batalhas recentes na opinião pública, mas
até o momento tinha orgulho de manter ao menos um grande trunfo: o mensalão é
visto pela maioria dos brasileiros como um sujo escândalo de corrupção, que
merece terminar em duras condenações.
Esse é um tipo de manipulação relativamente fácil de fazer,
desde que se não tenha escrúpulos em manipular a tendência natural da população
de achar que “todo político é corrupto” e que todos, portanto, são culpados,
até prova em contrário.
A mídia explorou também o preconceito de classe das elites
dirigentes e dos estamentos superiores contra o PT. Estamento é um termo
sociológico muito usado por Raymundo Faoro para designar a elite do serviço
público. Aliás, não consigo esquecer o fato de Roberto Gurgel, então
procurador-geral da República, ter iniciado a sua acusação lembrando a justa denúncia
de Faoro contra o histórico patrimonialismo brasileiro. Mas Gurgel inverteu a
teoria de Faoro. Em seu clássico Os Donos do Poder, Faoro explica como o
advento da república e a institucionalização progressiva das atividades
públicas fez emergir uma nova elite: os estamentos, ou seja, a burocracia. Era
o coronelismo político que tentava manter seu prestígio e poder mediante a
ocupação dos cargos públicos. O patrimonialismo mais nocivo, portanto, era
aquele praticado pelos servidores, em especial aqueles não filtrados pelo voto.
Juízes, promotores, auditores, militares, passavam a usar seu poder, que
deveria ser republicano, em prol das elites. Faoro prevê a radicalização desse
tipo de patrimonialismo, e com isso, previu, de certa maneira, o golpe militar
de 64, que nada mais foi que um golpe patrimonial de servidores públicos,
liderados por militares.
O engajamento ideológico, quase histérico, de Gurgel – e
antes dele, de Antônio Fernando de Souza – no esforço para condenar, mesmo sem
provas, os réus da Ação Penal 470, inscreve-se, portanto, na tradição
patrimonial brasileira de usar um cargo público em tese não-político, para
defender uma posição ideológica e política que interessa a determinados grupos
de poder.
Por isso a mídia apostou tão alto contra os embargos
infringentes. Ela já intuía que o jogo estava virando. As críticas à Ação Penal
470 emergem de todo o lado, e não apenas de setores identificados
ideologicamente com o PT.
Semana passada, li uma nota dizendo que Ricardo Lewandowski,
na quarta-feira à noite, após o voto de Celso de Mello, foi recebido com uma
salva de palmas num restaurante em Brasília. Ele mesmo admitiu que estava
estupefato, porque, até então, só apanhava.
A entrevista de Ives Gandra publicada ontem na Folha (e já
comentada no nosso blog indigena), por sua vez, cai como uma bomba atômica no
colo da grande mídia, porque Gandra é um ícone, um semideus, do conservadorismo
e do antipetismo, em matéria penal, constitucional ou jurídica. Gandra é um
clássico.
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