por Cláudio A. Pinho, IBEJI - Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura / Jornal GGN
"As cláusulas de saída não eram relevantes na entrada do negócio, mas eram cruciais na não ratificação do negócio, pois uma vez disparada a intenção de compra ela necessariamente deveria ser realizada".
Que o setor energético é pauta da campanha presidencial isso já é fato consumado. A redução da conta da energia, risco de racionamento e apagão, passando pelo recente apelo para que grandes indústrias de grande consumo reduzam sua produção de bens para consumirem menos energia já farão parte do cenário político nos próximos meses. Acresça-se a isso as discussões da refinaria de Passadena e outras que estão envolvendo a Petrobras e já teremos boa parte da pauta eleitoral.
O objetivo deste artigo é analisar alguns pontos setoriais para melhor formação de uma opinião sobre o setor energético no Brasil (energia elétrica, petróleo e gás). Descreveremos questões pontuais que poderão ser melhor analisadas e disseminadas.
Três óticas podem ser analisadas:
- questões de estado, como sendo o norte dado pela Constituição Federal e legislação setorial;
- questões de governo, como sendo as políticas implementadas por tal ou qual governo e
- questões jurídicas que surgem da fricção entre as questões de estado, de governo e as relações jurídicas já existentes ou entre esses agentes e os agentes econômicos que atuam no mercado.
Após as emendas constitucionais que permitiram a abertura dos mercados nos setores elétricos e petrolíferos surgem alguns cabos de guerra jurídicos frente ao modelo econômico apresentado pela Constituição Federal de 1988, nos seus artigos 170 à 177.
No setor elétrico a mola mestra é a tarifa, que por sua própria definição é a recomposição do valor cobrado pelo serviço permeado pelos princípios da modicidade tarifária e a adequada remuneração dos serviços. O ponto fundamental do setor elétrico é entender a relação entre a nova tarifa e o resultado das empresas, principalmente quando ele é positivo e lucrativo. Explico. A doutrina jurídica formada nos anos 50 e 60, e consolidada nos anos 70 e 80, entendia que a tarifa era exclusivamente para a remuneração dos serviços. Como, salvo raras exceções, todo o setor elétrico era público, o foco das empresas concessionárias nunca foi a distribuição de dividendos nem mesmo existia uma relação com os acionistas na mesma medida que as empresas privadas. A mudança acabou ocorrendo para além da privatização, pois hoje não se consegue imaginar um serviço concessionário que não seja lastreado em eficiência, gestão, governança e lucro. Há no imaginário do senso comum um pensamento que, ao aumentar a tarifa, estar-se-á automaticamente aumentando a distribuição de dividendos dos acionistas numa relação direta de causa e efeito. Esse sofisma jurídico ainda não foi enfrentado pelo poder judiciário e é pouco compreendido por agentes que têm importância vital para o setor, tal como técnicos de tribunais de contas e representantes do ministério público em seus diversos níveis, sendo que esse deveria ser o ponto de partida para o repensar do setor elétrico.
No setor do petróleo as perguntas não são diferentes, mas com as adaptações do setor. Qual é a Petrobras que queremos? Agressiva, estratégica, responsável, com governança? Para cada palavra colocada sobre a gestão societária, será definida uma linha de conduta. Um dado importante para quem olha de fora é saber que cada frente no setor do petróleo implica em aporte de grandes somas de dinheiro em bases mensais, por vários anos, em contratos onde compromissos de 20 e 30 anos são comuns. Assim a interrupção de um projeto qualquer significa literalmente o fim da perda (stop loss), onde há um prejuízo pelo investimento já realizado e sem retorno, mas evita-se um prejuízo maior ainda com a perpetuação do desembolso.
Enquanto, no caso de Passadena, a política aponta para a divergência de valores de aquisição, no mundo jurídico de efeitos econômicos três questões aparecem. A primeira é que quem exerceu o interesse de aquisição da parte do outro sócio foi a Petrobras. O segundo ponto é que o compromisso do CEO da empresa não foi referendado pelo conselho da companhia resultando no início de uma arbitragem. A terceira questão relevante é do início da arbitragem até o pagamento do valor final. A não ratificação da compra pelo conselho de administração e a identificação das consequências é que é a área cinzenta. As cláusulas de saída não eram relevantes na entrada do negócio, mas eram cruciais na não ratificação do negócio, pois uma vez disparada a intenção de compra ela necessariamente deveria ser realizada. Se o cenário internacional, o ambiente negocial ou mesmo a prioridade da companhia mudou naquele momento eram irrelevantes, pois havia uma conta que deveria ter sido paga. A arbitragem com seus pesados ônus e a posterior judicialização só fizeram onerar mais o negócio com postergações que só seriam explicáveis sob um pensamento afastado da boa governança, motivado por um descompromisso na condução dos negócios corporativos. Este sim é o verdadeiro pecado que macularia uma boa governança. Mas esse não é o ponto final da questão.
Em 2013, na maior conferência de petróleo do mundo, a OTC – Offshore Technology Conference, Graça Foster, presidente da Petrobras, afirmou que pretende dobrar o tamanho da petroleira em cinco anos. Essa afirmação somente poderá acontecer se a seguinte ação executiva que passaremos a explicar for implementada.
Em que pese ser tratada como uma Diretoria, a Petrobras Internacional, antiga Braspetro, é uma subsidiária integral da Petrobras e cuida da operação da Petrobras fora do Brasil. Na gestão de Gabrielli a Petrobras América, foi retirada da Petrobras Internacional e foi incorporada pela Petrobras (matriz). A partir daí os resultados positivos e negativos passaram a influenciar diretamente na operação da matriz brasileira. Além de outras estratégias como ampliação do resultado no pré-sal, busca de eficiência, o crescimento da companhia passa pelo que se convencionou chamar em desinvestimento. Desinvestimento é descartar todos os ativos e contratos, que como já ditos acima, comprometem o fluxo de caixa da Petrobras pelos próximos 20 a 30 anos, à exceção daqueles que possam dar um resultado positivo em prazo inferior, isto é dentro dos 5 anos vaticinados por Graça Foster. Após esse descarte, incorporar as operações cujo retorno positivo se faz notar dentro desse mesmo prazo na Petrobras (matriz). A partir daí será extinta a Petrobras Internacional passando a existir uma só companhia. Não é difícil prever que dentro deste processo outros casos como Passadena aparecerão. E assim acontecerá porque a cada novo processo de desinvestimento implicará em descarte de negócios que não tem perspectiva de lucros em curto prazo, aumentando ainda mais a insegurança para entender se a decisão de diretoria e de conselho foram acertadas, quer no investimento, quer no desinvestimento.
Em verdade estamos longe do fim num e noutro setor e enquanto não discutimos sem rodeios qual o setor elétrico e petrolífero que queremos, com o direcionamento da política econômica e dos ajustes setoriais para esses novos modelos, a única tendência segura será vermos, cada vez mais, as empresas estatais participando com capital minoritário em negócios onde o capital privado é majoritário, impedindo que desconhecedores de plantão possam interferir na decisão de empresas que não serão mais controladas e sim empresas que têm participação estatal, fazendo com que a modelagem público/privada seja modificada novamente, mas sem um norte claro para onde iremos caminhar. Fica a reflexão.
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