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terça-feira, 26 de novembro de 2013

O estranho acordo Irão/EUA - isso vai funcionar?...





por Tomás Rosa Bueno, no blog do Nassif


O estranho não é o Irã ter cedido (apesar da histórica teimosia persa) em alguns pontos (como a limitação do enriquecimento a 5%) que poderão ser renegociados mais tarde. O surpreendente é o fato de as potências "ocidentais" terem aceitado que o Irã dissesse "Sim" e terem abandonado a postura, que sabiam irrealista e inaceitável, de exigir que os iranianos simplesmente fechassem todas as suas centrais nucleares e centros de pesquisa e enriquecimento de urânio e pusessem fim ao seu programa de desenvolvimento de tecnologia nuclear -- um direito que lhes cabe inequivocamente nos termos do Tratado de Não Proliferação).

Isto parece (sublinhe-se"parece") marcar uma reviravolta histórica dos EUA e seus cúmplices europeus com relação ao papel do Irã no Oriente Médio e à política de manutenção do estado de guerra permanente na região, que servia, mas não serve mais, os interesses geoestratégicos "ocidentais".

O mundo, apesar dos desejos dos seus donos, mudou. O impasse da guerra civil na Síria, onde os grupos financiados e armados pelo trio EUA-Reino Unido-França (pela via indireta dos sauditas e dos emires unidos) sofrem derrota atrás de derrota; a percepção da impossibilidade de manter o Egito como aliado incondicional e a possibilidade sempre crescente de revoltas populares potencialmente incontroláveis nos países árabes; a extrema deterioração política e o desmoronamento do Iraque após a invasão ilegal de 2003; a erosão contínua da capacidade israelense de servir como cão de guarda dos interesses euroamericanos na região; e, finalmente e sobretudo, a crescente dependência da Europa do gás e do petróleo da Rússia e dos países da Ásia Central e a necessidade de garantir um passo tranquilo desses recursos para a Europa, o desenvolvimento do potencial do gás de xisto e a descoberta de jazidas gigantescas de petróleo e gás no Brasil e na África, que conduzem a uma sensível diminuição do peso econômico e da importância política dos países do Golfo Pérsico, fazem da paz - pelo menos naquela região e neste momento - um negócio lucrativo para quem há décadas vem "agregando valor para os seus acionistas" com base na manutenção de um clima de terror permanente nos países do Oriente Médio. E, para obter esta paz e esta segurança para os negócios, a colaboração do Irã - que já vem sendo utilizada discretamente há anos no Iraque e no Líbano - torna-se abertamente indispensável. Portanto, era igualmente indispensável remover os obstáculos à inserção do Irã no grande esquema.

Neste acordo, ganha quase todo o mundo. Ganham, antes de mais nada, os EUA e o Irã, que com o fim total das sanções dentro de seis meses poderão dedicar-se à atividade de que ambos mais gostam: ganhar dinheiro, de preferência um do outro. Ganham os EUA, que eliminam o que foi por três décadas uma fonte de tensão que consumia incontáveis bilhões de dólares por ano, conquistam um aliado que já soube demonstrar a sua grande utilidade no passado recente e não tão recente e, de quebra, mandam um recado inequívoco para outros aliados que estavam ficando inconvenientes. Ganha o Irã, que, com o fim total das sanções que com certeza virá após o final do "período de experiência" de seis meses, garante o acesso às suas reservas de divisas e a eliminação das barreiras à exportação de petróleo e outros produtos, conquistando instrumentos eficazes para combater a crise econômica que estava ameaçando afundar o país; e, principalmente, ganha liberdade para ampliar e aprofundar a sua já vasta influência na região, contribuindo decisivamente para a "pacificação" do Iraque, da Síria e do Afeganistão, garantindo nestes e em outros países limítrofes ou nem tanto um mercado quase cativo para a sua produção industrial e assegurando o seu ingresso como membro de honra ao "Oleodustão", o grande "país" por onde passarão os oleodutos que vão unir as estepes russas e as planícies uzbeques e casaques aos postos de gasolina da Europa. Ganham os europeus, por todos os motivos acima. Ganham os russos e chineses, garantindo uma relativa tranquilidade na "frente ocidental". Ganham os palestinos. Ganho eu, ganha tudo, ganha o Chico barrigudo.

Alguém tinha de perder, e os sauditas e israelenses, sempre fiéis, correram para preencher a vaga. Os grandes perdedores são sem dúvida os trogloditas sunitas da dinastia saudita, que tentaram por todos os meios sabotar as negociações entre o P5+1 e o Irã (inclusive pelo atentado contra a embaixada iraniana em Beirute na semana passada) e que agora terão de assistir à transformação do arquirrival xiita, de "promotor do terrorismo" a grande aliado garante da paz e da tranquilidade, e à lenta mas certa eliminação das hostes terroristas que financiam pelo mundo afora, do Afeganistão ao Sudão, que não contam mais com a garantia da cumplicidade dos EUA. E, finalmente, perdem os israelenses, que exerceram por tanto tempo e com tanto sangue derramado o papel de fiel cão de guarda de riquezas que hoje estão em outra parte que começaram a acreditar na propaganda antissemita do rabo abanando o cão, achando que podiam influenciar e até ditar a política externa dos EUA, exatamente ao mesmo tempo e na mesma medida em que se iam transformando em um cão velho e desdentado, que rosna o tempo todo e tenta morder quem passa por perto e mais alto ladra quanto mais impotente fica, apanhando até do Hezbolá. Israel vai continuar recebendo os bilhões de dólares habituais de ração do dono, que obviamente não vai permitir que ninguém maltrate o velho e fiel cão, contanto que ele entenda que não pode mais fazer as suas necessidades na casa do vizinho palestino impunemente.

O mundo mudou, mas não necessariamente para melhor. Uma vasta e conturbada região do mundo parece estar a caminho de viver em relativa paz, mas enquanto isto o resto do mundo vai viver o suspense de saber para quem vão se voltar agora os olhos da besta.



NOTA BOTOCUDA

Não temos, aqui na tribu, como o titulo do post indica,  uma certeza do acerto da análise do comentarista. Temos que esperar diminuir a turbidez dessas águas para formar um quadro mais claro. Esse acordo vai contra quase tudo que se denuncia no documentário sobre a história do petróleo, oferecido no post anterior. Vamos acompanhar isso.

Por outro lado quero ver alguém negar que o que foi assinado não era uma cópia exata do que o Molusco Apedeuta aqui desse bananal infeliz havia proposto em maio 2010, ou seja a proposta conjunta do Brasil e Turquia para a resolução da crise do Irão... sobre a qual os vira-latas tupiniquins colonizados uivaram como cachorros molhados em noite de lua minguante. O caráter colonizado de grande parte de nossos observadores diplomáticos teve poucos momentos tão vergonhosos como aquele. Naquele momento, Brasil, Turquia e Irão assinaram um acordo nuclear que, em seus traços essenciais, era um rascunho exato do acerto fechado anteontem, em Genebra, com apoio de Estados Unidos, China, Reino Unido, França e Alemanha. Mas naquela ocasião os irmãos do norte rejeitaram olimpicamente aquela proposta... Eita pobreza de espírito... (veja no post Vira-latas em Teerã)


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