por Mariana Luiza de Oliveira (*)
O
Império brasileiro, a partir da segunda metade do século XIX, foi marcado por
correntes científicas, que naquele período ganhavam aceitação mundial, tais
como os estudos raciais, o positivismo e o darwinismo social. Dentro desta
conjuntura, o Brasil começava a sofrer certa pressão internacional por ainda
manter sua base de produção no sistema escravista, que conseqüentemente, fazia
com que a população brasileira em sua maioria fosse negra ou mestiça.
Essa
composição majoritária da população brasileira era vista pelo Império através
da visão preconceituosa e racista do século XIX e passava a ser motivo de
inquietação para o governo, porque de acordo com o darwinismo social o Brasil
estaria fadado ao fracasso, pois os habitantes do país, em geral, eram considerados
inferiores.
A
solução era fazer chegar ao Brasil um grupo de indivíduos brancos, europeus,
civilizados, ordeiros, que contribuiriam para o sucesso desenvolvimentista do
país. Em suma, foi o racismo do século XIX o motivador da imigração branca para
as terras do Brasil.
O
governo imperial abriu as portas da nação para a entrada de imigrantes que voluntariamente
se dirigiam ao país. O termo grifado se faz necessário, pois, como se notou
no primeiro capítulo (*), no Brasil não houve uma consistente política
imigratória.
Na
falta de um sistema administrativo imperial que voltasse suas tarefas para a
imigração, o governo optou por construir uma imagem representativa que dava a
entender que no país havia uma carência de mão-de-obra, o que acarretava na
divulgação do Brasil no exterior como uma nação necessitada do braço
trabalhador europeu. No entanto, a situação interna brasileira era outra, não
havia falta de trabalhadores, na realidade existia uma grande parcela da
população local – mestiça ou negra – disponível ao trabalho, mas devido aos
estudos raciais da época, esta camada da população era descartada como
mão-de-obra, por ser considerada inferior. Esta conjuntura releva todo o
mecanismo elaborado pelo império para branquear a população.
Neste
mesmo período, oportunamente, surgiram na Europa as Exposições Universais,
ocasião em que o Império brasileiro ganhou certo espaço para se apresentar, não
no sentido de demonstrar suas características de sociedade escravocrata e
agrícola, mas com a intenção de ser considerado um país voltado ao progresso e
à civilização.
No
ano de 1867, a Colônia Blumenau foi premiada na Exposição Universal da França,
devido ao “vigoroso desenvolvimento” que a Colônia Blumenau estava trilhando.
Mas cabe salientar, que este desenvolvimento se tornou conhecido na Exposição
devido a um folheto que Hermann Blumenau havia elaborado. Tal documento,
escrito pelo próprio diretor da colônia, foi o legitimador de uma história
positivada de Blumenau,
que
ao analisar o individuo que o produziu fica evidente uma tendência de
representação progressista da Colônia Blumenau, que, inclusive, entrava de
acordo com os interesses do Império. Afinal, a participação de Hermann Blumenau
foi um ato planejado pelo Império nesta Exposição, assim como, o ato de expor a
Colônia Blumenau na Europa também foi um elemento esquematizado pelo Império
com a finalidade de mostrar no exterior que o Brasil também era habitado por
brancos, local onde o progresso também acontecia, isto é, a tentativa de
afastar da imagem brasileira do exotismo e do selvagem.
No
entanto, quando os imigrantes chegavam ao espaço colonial de Blumenau
demonstravam certa frustração ao encarar a concreta situação da colônia e do
país, o desapontamento dos recém-chegados se dava diante da realidade colonial
que lentamente alcançava o tão esperado progresso e a civilidade.
Ao
questionar a Colônia Blumenau como um lugar de progresso, harmonia e
civilidade, é preciso revelar como isto ocorria no aspecto social, que
igualmente não foi tão harmonioso como a história tradicional leva a crer. A
existência de diferentes grupos sociais na colônia geralmente é negada para
legitimar a história de Blumenau relacionando-a apenas aos povos germânicos.
Para isto houve um silenciamento de muitos indivíduos, como é o caso da
população luso-brasileira, ou ainda do escravo
Camillo
e da escrava Rita, que representam um grupo maior, a população negra.
Hermann
Blumenau tendia a enaltecer as famílias alemãs e, em função da ética
protestante, atribuía-lhes características como esperteza e racionalidade ao
lidar com as despesas domésticas. Em contrapartida, os outros grupos étnicos
eram marginalizados, principalmente os italianos, que para o diretor da Colônia
eram elementos um tanto quanto inconseqüentes, irresponsáveis e preguiçosos.
Os
preconceitos morais com que Dr. Blumenau regia administrativamente a
Colônia
Blumenau acabavam por favorecer alguns e, ao mesmo tempo, gerava a exclusão de
outros. E devido ao poder que Hermann Blumenau tinha em suas mãos, ele se apropriava
de sua posição de diretor para impor a ordem e a civilidade a toda a
Colônia
conforme lhe parecia adequado. Em função disto, Hermann Blumenau gerou uma
segregação espacial na colônia entre italianos e alemães, condicionando os
primeiros a se estabeleceram na colônia em lugares bastante afastados da sede
administrativa.
Neste
processo de imposição da ordem na Colônia outros indivíduos foram prejudicados,
como é o caso dos solteiros, que não eram bem vistos pelo diretor, que chegava
a aconselhá-los a não migrarem para a Colônia Blumenau, pois este espaço era
mais propício a famílias. A justificação para esta restrição com relação aos
solteiros era devido ao árduo trabalho agrícola da colônia, isto é, na visão do
Dr. Blumenau uma pessoa solteira tendia a ser improdutiva, já uma família,
composta por um maior número de pessoas, tendia a ser mais bem sucedida.
Esta
visão pré-concebida de Hermann Blumenau negava aos solteiros muitas
oportunidades dentro da colônia, pois evita-se ao máximo vender terras a eles
ou ajudá-los com alguns subsídios. Isto acaba demonstrando como a categoria
trabalho gerava uma dignificação em torno do colono, que poderia render-lhes
atributos morais ou, no caso dos solteiros, dificultar sua inserção no ambiente
colonial. Essa questão do trabalho também levava indivíduos inativos ou
improdutivos a serem considerados como vagabundos. A idéia de trabalho como
elemento dignificador do ser humano era uma concepção compartilhada por muitos
do século XIX, tanto que o ócio era considerado crime, de acordo com os artigos
36 e 37 do Decreto Nº 3784 do Regulamento para as Colônias do Estado.
Esta
regulamentação foi tomada como indicativo de como o governo provincial e
imperial buscavam impor à ordem na sociedade brasileira, sendo que este ato se
dava pelo viés do positivismo, isto é, ao impor a ordem seria possível chegar
ao progresso. E por Hermann Blumenau partilhar esta concepção, em 1864,
apresentou um projeto com algumas posturas para a Câmara Municipal de Itajaí.
Embora sua intenção não tenha vingado, sua proposta à Câmara já é uma intenção
que merece análise. Tal projeto era uma tentativa de impor a ordem a uma
Colônia que estava crescendo, que a cada dia estava sendo permeada por mais
conflitos, criminosos, vagabundos, enfim, que a cada momento se configurava
mais heterogênea. Desta forma, o fato de Hermann Blumenau ter concebido este
projeto desconstrói a imagem representativa da Colônia Blumenau como um espaço
harmonioso e tranqüilo, como a historiografia tradicional tenta assegurar.
(*) excerto de Trabalho de
Conclusão de Curso de História do Centro de Ciências Humanas e da Comunicação
da Universidade Regional de Blumenau, pode ser acessado na integra aqui
Essas "desconstruções científicas"...
ResponderExcluir"Que o colono se orgulhe da enxada
e o campeiro se orgulhe do laço
Cada um valorize o que é seu
É assim que se busca espaço"
-- Música gauchesca (Os 3 Xirus)
Ñ acho que isso seja uma "desconstrução"!... pelo contrário.
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