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domingo, 22 de novembro de 2015

Samarco, a agonia no capitalismo financeiro




por André Araujo, no blog do Nassif

O caso das barragens da Samarco nos leva a reflexões colaterais sobre o capitalismo financeiro e seus personagens. A Samarco hoje é controlada pela maior companhia de mineração do mundo, a BHP, fusão da Broken Hill Proprietary, fundada na Austrália em 1851, e a Billiton, originada na Indonésia holandesa na mesma época, depois integrante do Grupo Royal Dutch Shell, e a nossa Vale, cuja origem é a americana Itabira Iron, de Percival Farquar, maior empresário do Brasil nas primeiras décadas do Século XX, empresa nacionalizada pelo Presidente Artur Bernardes e que virou Cia. Vale do Rio Doce na década de 40.

Como empresas tão experientes lograram correr um nível de risco patrimonial tão alto a ponto de incorrer em indenizações que provavelmente vão zerar o valor financeiro da Samarco? Esta faturou R$ 7,2 bilhões em 2014, ganhou líquidos 2,8 bilhões e investiu apenas 78 milhões em segurança ambiental. Com um pouco mais reforçaria as barragens, que são de terra, as mais baratas que existem, instalaria sensores para monitorar o risco da pressão do volume sobre a parede e, com mitigação maior de risco, transformaria a parte de terra despejada na represa em pellets, que poderiam ser armazenados fora da represa e diminuiriam consideravelmente o volume dentro da barragem. Assim, ficaria com muito menor ocupação resultante apenas em água impura, mas em muito menor volume do que o conjunto lama+detritos+água. Essa solução mais definitiva custaria um pouco mais, mas seria um seguro infinitamente mais barato do que o custo econômico que agora cairá sobre a empresa que será devorada pelas indenizações.

Como os executivos não assumiram esse caminho? Por causa do modelo de capitalismo financeiro que vem assumindo a direção das grandes empresas da economia produtiva. Foram-se os executivos "de indústria", "do ramo". Hoje, assumiu uma geração de jovens calculistas que trabalham exclusivamente com planilhas, índices, taxas de retorno. Não tem ligação com o produto físico, com as máquinas, com a terra, com o minério, com a barragem. O mundo deles e de seus chefes e acionistas é exclusivamente financeiro.

O lucro pode ser fantástico, mais de um terço do faturamento, mas nem por isso a pressão para obter mais é da essência dessa cultura financeira. Fora das planilhas e dos "budgets", dos "targets", não tem mais nada no radar, nem o futuro da empresa, é só o próximo trimestre, base dos bônus. No semestre posterior pode ter caído o CEO mundial do grupo e o CEO da Samarco, então a única meta que conta é o lucro do trimestre.

Conheci profundamente o sistema. De 1974 a 1978, fui o principal executivo de uma subsidiaria de multinacional americana no Brasil, havia uma obsessão com a meta trimestral, nada mais importava. No fim de cada trimestre, todos os executivos-chefes de cada divisão viajavam para a matriz em St. Louis, eram 130 divisões no mundo e lá mesmo no bunker do subsolo do prédio havia, durante toda a semana, em um auditório, uma revisão do budget de cada divisão. Se o executivo não tivesse atingido a meta era execrado em público e alguns despedidos lá mesmo. Depois, partia-se para fixação da nova meta para o trimestre seguinte, a pressão era intensa visando aumentar o lucro prometido, máxima pressão, até que o executivo acabasse por aceitar, mesmo sabendo que era impossível atingir, pelo menos ele teria o emprego por mais um trimestre.

Era um sistema diabólico para espremer cada divisão como um limão. Isso há 40 anos. Hoje, está muito pior, o único critério de sucesso é aumentar a taxa de retorno para o acionista com o mínimo de investimento, o mínimo de empregados e o maior aproveitamento dos ativos. Os que atingiam e ultrapassavam um pouco viravam heróis e eram homenageados com convite para jantar com o CEO, ganhavam sorrisos e cumprimentos, às vezes até promoção no ato.

Esse "capitalismo do trimestre" leva a mega distorções. É possível aumentar o lucro no curto prazo economizando em itens que causarão danos só no longo prazo, como não fazer a manutenção periódica dos equipamentos, trocar mão de obra cara por mais barata, rebaixar a qualidade do produto, continua vendendo, mas vai queimando a marca. Economizar na segurança ambiental é uma típica manobra para aumentar o lucro no curto prazo, a custo do longo prazo...

Esse é o típico capitalismo AMBEV: padronizar todas as cervejas, só muda o rótulo, o gosto é o mesmo. Isso faz cair o custo por causa dos mega volumes de uma fabricação uniforme, abrindo espaço para centenas de fábricas de cervejas artesanais, porque o consumidor não quer o mesmo paladar padronizado. Isso é o capitalismo financeiro, os controladores da AMBEV são todos financistas e não industriais, heróis do capitalismo de corte de custos até o osso.

Hoje, firmas como a BHP e a Vale são controladas por fundos e não por pessoas. Os fundos querem taxas de retorno, é preciso pressionar os executivos. Estes, encostados na parede, cortam custos essenciais para fazer subir a taxa de retorno. Esse capitalismo deixa destroços pelo caminho, no limite vão acabar com o emprego e a sustentabilidade do planeta. O caso SAMARCO pode ser um dos maiores símbolos desse sistema que gera sua própria autodestruição.



ADENDO DE COMENTARISTAS 
Quem vai defender os capitalistas?... (rdmaestri)

A questão básica do capitalismo com o nível de concentração de renda que se está chegando é simples: Quem vai defender os capitalistas?

Quando no meio da guerra fria lá pela década de 60 havia no mundo uma classe média que não era muito numerosa mas era estatisticamente significativa. Esta classe média abanava para o operariado industrial da época uma perspectiva de ascensão social. Este operariado que outros chamam de proletariado viam ao longe, embalados por uma propaganda de provável sucesso futuro, uma visão de futuramente seus filhos ou netos virem a pertencer a pequena mas brilhante aos olhos de todos (classe média) uma prosperidade como nunca vista na face da Terra. Uma casa, uma máquina de lavar roupa, uma TV ou mesmo um pequeno automóvel era o sonho que grande parte dos que sustentavam a ideia de prosperidade capitalista,

Porém com o tempo os bons e prósperos empregos industriais e mesmo os empregos nos outros setores, vem minguando e desaparecendo. Temos uma população mais educada, temos uma população mais informada, porém esta população com nível superior hoje provavelmente ganha menos do que seus pais que talvez possuíssem o primeiro grau incompleto.

Agora se põe o seguinte dilema, qual a esperança e qual o futuro que vão prometer a esta imensa massa de desempregados ou subempregados? Pois se não for prometido nada, rapidamente eles se darão conta que a farsa acabou.

Durante anos a fio, o último suspiro teórico do capitalismo, o neo-liberalismo propagandeou a volta ao passado como a grande solução, ou seja, a volta as relações pré-industriais de relações de trabalho. Mesmo com toda esta propaganda nem aqueles que tem ou tiveram alguma chance de surfar na onda do último modismo do capitalismo não estão acreditando mais.

Talvez tenhamos, da mesma forma que os neo-liberais recuperaram as bandeiras da miséria como a solução para a pobreza, recuperar as velhas bandeiras guardadas no fundo dos armários e no fundo dos corações, de dar como solução a pobreza não a riqueza ao custo dos outros, mas a igualdade e a vontade de marchar para uma nova sociedade.

Cachorros velhos não apreendem truques novos, mas cachorros velhos que nunca puderam mostrar os seus velhos truques talvez esteja na hora de mostrá-los.

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