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sexta-feira, 3 de julho de 2015

A geopolítica do buraco negro financista




por Dmitri Orlov (*), no blog Club Orlov
pescado no redecastorphoto - tradução Vila Vudu (com algumas adaptações botocudas daqui)


Há algum tempo, tive o prazer de ouvir Sergey Glazyev – economista, político, membro da Academia de Ciências da Rússia e conselheiro do presidente Putin – dizer algo que confirmou muito bem o que sempre pensei. Glazyev disse que qualquer um que saiba matemática pode ver que os EUA estão à beira do colapso, porque a dívida interna norte-americana cresce exponencialmente. Não são palavras que político europeu ou norte-americano ande dizendo por aí em público, talvez nem sussurradamente na cama, porque nos EUA travesseiros têm ouvidos, e, se acontecer assim, o tal político receberá tratamento de Dominique Strauss-Kahn (cuja ilustre carreira terminou quando, numa visita aos EUA, foi falsamente acusado de estupro, e preso). Por essas e outras nenhum político europeu (e dos norte-americanos, então, nem se fala), pode jamais declarar o óbvio, por mais óbvio que seja.

A essa altura, os russos já sabem muito bem disso. Sim, manter diálogo e relações cordiais com europeus é importante. Mas que fique bem entendido que europeus não passam de fantoches dos EUA sem vontade nem poder para tomar decisões próprias. Melhor talvez falar com os norte-americanos diretamente? Infelizmente, também são fantoches. Funcionários do governo e políticos norte-americanos são todos fantoches controlados por lobbyistas de grandes empresas e oligarcas sinistros. Mas, aqui, o choque: esses também são fantoches, controlados pelos simples imperativos do lucro e da preservação da riqueza respectivamente. De fato, são todos fantoches de cabo a rabo, de cima a baixo. E no fundo, por baixo deles, há um gigantesco, eternamente em expansão, buraco negro financeiro.

Você gosta de seu buraco negro? Se não tem muita certeza de que gosta, deixe-me fazer-lhe algumas perguntas: Você gosta do fato de que seus cartões de crédito ainda funcionem, ou de poder ainda deixar dinheiro no banco e até pegar dinheiro num caixa de atendimento automático, ou de já estar recebendo ou algum dia, sim, receber uma aposentadoria? Você gosta de poder obter coisas úteis – comida, combustível, passagens de avião – em troca de meros pedaços de papel impressos com retratos de homens brancos falecidos? Você gosta de ter acesso à internet, de ter lâmpadas acesas, água na pia? Bem, se você gosta dessas coisas, nesse caso você também tem de gostar do buraco negro financeiro, porque é ele que torna possíveis todas essas coisas, apesar de você viver num país quebrado, falido, em bancarrota. Talvez seja daquelas relações de amor-ódio: você ama conseguir fingir que está tudo ótimo, mesmo você sabendo que não está, e quer curtir mais um pouco do business -como-sempre, antes que tudo vá prô inferno, seja só mais alguns dias, seja um, dois anos. Mas você odeia saber que é altamente possível que o buraco o sugue para o fundo, momento a partir do qual você estará sugado, digo, definitivamente ferrado.

Nos EUA, até agora, o buraco negro tem sugado famílias individualmente consideradas (embora às vezes sugue cidades inteiras, feito Detroit, Michigan ou Bakersfield, Califórnia ou Camden, New Jersey). Com a ajuda da gangue das hipotecas fraudulentas, ele suga casas e as cospe de volta, oneradas por dívidas podres. Com a ajuda da indústria médica, ele suga gente doente e cospe os doentes de volta, falidos. Com a ajuda da gangue das universidades privadas, suga gente jovem cheia de esperanças, e cospe formados nas “especializações” mais ridiculamente inúteis e com as pernas e o espírito quebrados pela mais obscena dívida “estudantil” que se possa imaginar. Com a ajuda do complexo industrial-militar, suga praticamente qualquer coisa e cospe cadáveres, tragédias ambientais, terroristas e instabilidade global. E assim vai.

Mas o buraco negro financeiro pode também sugar países. Nesse momento, está ocupadíssimo tentando devorar a Grécia, mas está difícil, porque a Grécia é – adivinhem! – estado democrático. Esse fato surpreendeu os fantoches do buraco negro, que já começaram a clamar por “mudança de regime” na Grécia, para que a Grécia possa ser obrigada a render-se, antes de o buraco negro morrer de fome.

O processo pelo qual o buraco negro financeiro suga países inteiros é o seguinte. Se o buraco negro não encontra coisas suficientes para sugar logo de início, ele então põe os mercados financeiros em queda livre. Instrumentos financeiros de países que estejam longe do buraco negro – lá, na periferia – caem mais depressa. Em busca de “paraíso seguro”, o dinheiro flui para fora desses países e diretamente para dentro dos países “núcleo” firmemente agarrados em torno do buraco negro financeiro – EUA, Alemanha, Japão e uns poucos outros. O buraco negro devora esse dinheiro, mas logo novamente já fica com fome e quer mais. E, porque os países da periferia já estão agora financeiramente fracos demais para resistirem, podem ser facilmente convertidos em ração para buraco negro financeiro. A devoração começa quando o país é sobrecarregado com dívida externa que jamais poderá pagar, o que força o país-comida a “amortizar” só parcelas da dívida, que não pode deixar de pagar completamente, porque os empréstimos para pagar dívidas são como uma linha vital de abastecimento pela qual o país recebe... mais dívidas. E assim os bancos podem ser mantidos em funcionamento, os caixas de autoatendimento abastecidos, as lâmpadas acesas e tal e tal.

Para conseguir pagar parcelas da tal dívida, o país é forçado a desmantelar a própria sociedade e a própria economia. E lhe são impostos: o mais total ARROCHO e a privatização de tudo que haja à vista (e cada empresa privatizada é empresa a ser pescada para dentro do saco das dívidas impagáveis, ou só “amortizáveis” com mais dívidas); e o país é forçado a entregar a própria soberania, a qual, rendida, passa a pertencer a organizações transnacionais, como FMI ou BCE, todas diretamente envolvidas na alimentação e na prestação de serviços de atenção à saúde do buraco negro financeiro.

E quem comanda tudo isso? – você poderia perguntar. Se tudo é buraco negro, se não há outra coisa além de buraco negro financeiro, os fantoches encarregados de mantê-lo saudável e bem alimentado e as desgraçadas vítimas do buraco negro financeiro, nesse caso... quem toma as decisões? Bem, fato é que o buraco negro financeiro é racional. Embora também seja muito, muito estúpido. E o meio que conhece para fazer acontecer o que deseja que aconteça é destruir o cérebro e o coração dos seus fantoches – o que os torna incapazes de compreender certas coisas. Mas estupidez é faca de dois gumes, e ao servir-se dela para chegar mais rapidamente ao objetivo, o buraco negro financeiro distorce também o seu próprio objetivo.

Por exemplo, há pouco tempo, o buraco negro financeiro encontrou objeto grande demais, que quis sugar, mas não conseguiu. O objeto chama-se Federação Russa. Controla território imenso, farto em todos os tipos de recursos naturais que o buraco negro financeiro muito gostaria de privatizar e converter em empréstimos colaterais e sugar para dentro do bucho. Problema é que o lugar está cheio de russos, gente difícil, com a qual os fantoches do buraco negro não conseguem lidar bem. Os russos insistem que os fantoches se mantenham à distância, para lá daquela linha vermelha real bem ali, e, se se mexerem, eles engatilham a pistola e fim de conversa fiada.

É situação que exige negociação, mas o buraco negro financeiro é exemplarmente estúpido, como já disse, e só conhece uma tática de negociação. Ele ordena e põe-se à espera que o outro lado se renda. Se não se rende, vêm as pressões: sanções, ataques contra a moeda, transações financeiras tornadas impossíveis, de tão complicadas, confisco de propriedade do país resistente e por aí vai – e outra vez, é só esperar pela rendição. Se nem isso tudo funcionar, então o país é bombardeado até ser convertido em montes de ruínas, pela OTAN. Ou, caso a OTAN não queira participar, o país é bombardeado exclusivamente pelos EUA, até ser convertido em montes de ruínas.

Em geral funciona, embora não tenha funcionado no caso da Federação Russa. Mas o buraco negro financeiro é muito, muito estúpido e fica lá, só repetindo, só repetindo, só repetindo. De tanto que só repete, só repete, só repete, a mente dos fantoches-agentes se atrapalha mesmo, de verdade, a ponto de eles já não entenderem nem a repetição, repetição, repetição deles mesmos.

Por exemplo, todo mundo sabe que pressionar a Rússia não funciona: segundo a 3ª Lei de Newton, toda a ação produz reação igual e oposta, e a Rússia é grande demais e não adianta empurrá-la, que ela não se move nem um passo [...] Os russos até agradeceram pelas sanções, porque afinal apareceu boa razão para investirem no desenvolvimento da própria economia doméstica e na autossuficiência. Mas os fantoches-agentes, cujos cérebros já foram sugados pelo buraco negro financeiro, nada vêem, nem compreendem e ficam lá, empurra e empurra, fazendo naufragar, no processo, as próprias economias.

Mas se as sanções não funcionam, é tempo de recorrer à opção militar. Para isso, é preciso inventar um casus belli – um motivo para ir à guerra. Foi quando o buraco negro financeiro enlouqueceu completamente: “A Rússia invadiu a Crimeia!” – sim, sim, talvez tenha invadido há algumas centenas de anos, mas já há séculos a Rússia está lá, recentemente já há até acordo internacional sobre o caso, mas... E que importa tudo isso?! (Ah! E não há o que comprove que a Crimeia foi algum dia dada à Ucrânia, porque Nikita Khrushchev alterou toda a papelada, antes de entregar o presente). Não interessa! Não interessa! A Rússia invadiu a Ucrânia e pronto! E sim, sim, sempre, é verdade todos os dias que se escrevam com “d”, mas foi muito safadinha e retirou as tropas antes que alguém pudesse fotografar, uma fotinho, que fosse, deles, por lá. OK, OK, mas isso também não interessa, porque a Rússia está prontinha para invadir a Estônia, a Letônia e a Lituânia e, pode ser, também a Polônia. Mas... vai invadir como? Você... Você acha que é fácil como tomar um ônibus para o festival de música de Jūrmala? Pode ser que seja, mas, o festival já acabou e até os fãs de música que invadiram o país vizinho já estão de volta, dormindo em casa. OK, OK, também não interessa. E os fantoches-agentes só fazem repetir “invasão russa!”, “invasão russa!” sem parar. É o dano cerebral típico de quem vive muito próximo do buraco negro financeiro. Como esse sujeito (foto abaixo), por exemplo. Bate queixo sempre: “agressão russa!”, “agressão russa!”, enquanto puxa no teto simulando ordenha de sua vaca de pelúcia, tentando acalmar-se. Deus o ajude!



De volta ao mundo real: os infelizes fantoches-agentes do buraco negro financeiro não conseguem entender que, se se trata de Rússia, não há opção militar: o poder nuclear funciona aí como excelente argumento de contenção estratégica, é território muito bem defendido e não tem qualquer intenção agressiva contra seja quem for.

Mas os fantoches com a mente perturbada, nada veem, nem isso nem coisa alguma, e lá estão, empilhando os mais variados tipos de lixo militar obsoleto nas fronteiras da Rússia, e até já ameaçaram levar para a Europa os seus mísseis nucleares Pershing de alcance médio e obsoletos. São obsoletos, porque os russos têm agora o sistema S-300, com o qual podem neutralizar todos os Pershings. A opção militar tampouco funcionará, mas não conte aos fantoches-agentes – eles não suportarão informação dessa natureza, sem sofrerem novos danos neurológicos extensos.

De volta à Grécia: a pequena Grécia com certeza não é a poderosa Rússia, mas mesmo assim se recusou a capitular ante as exigências do buraco negro financeiro. Recebeu ordens para destruir completamente a própria sociedade e a própria economia, como condição para manter a linha de dinheiro de sobrevida que lhe enviariam o FMI e o BCE.

Muito inconvenientemente para o buraco negro financeiro e seus fantoches, a Grécia não é algum obscuro país “de 3º mundo”, povoado de gente de pele escura com quem o buraco negro financeiro não quer que a filha dele case: é país europeu e berço da civilização e da democracia europeias. A Grécia conseguiu eleger governo que bem que tentou negociar em boa fé, mas os fantoches-agentes não negociam – eles ordenam, ameaçam e machucam até que chegar onde querem, ou até que a cabeça deles exploda.

Vai ser interessante assistir ao que vem por aí.

Se o buraco negro financeiro conseguir sugar a Grécia, que país virá depois dela? Itália, Espanha ou Portugal? E, com o processo a continuar, quando chegará o momento em que gente em quantidade suficiente decida que basta?

Porque quando gente em quantidade suficiente decidir que basta, o buraco negro financeiro se encolherá. Não é buraco negro verdadeiro, feito de matéria tão densa que o seu campo gravitacional segura tudo, até a luz. O buraco negro financeiro é buraco negro fake, constituído da ganância combinada de todos.

No âmago dele só há ganância. Ganância envolta em medo por todos os lados e ele se autossustenta alimentando-se de medo, cada vez de mais medo.Se puder continuar a sugar pessoas, famílias, países inteiros, pode manter viva a ganância que tem no âmago. Mas se não puder, nesse caso a ganância também se converterá em medo, tudo se autoconsumirá e o buraco negro financeiro se terá autodevorado.

Espero que quando acontecer, todos os seus fantoches ruins-da-cabeça livrem-se dele, percebam o quanto estavam errados e quem sabem acham algo útil para fazer – criar ovelhas, plantar hortaliças, desenterrar berbigões (da lama)...



(*) Dmitry Orlov é um engenheiro russo-americano, nasceu em Leningrado (agora São Petersburgo) e se mudou para os Estados Unidos com 12 anos. Tem bacharelado em Engenharia de Computação e Mestrado em Lingüística Aplicada. Escreve regularmente no seu blog “Clube Orlov” e no EnergyBulletin.Net

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