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quarta-feira, 3 de junho de 2015
O Haiti é... lá!... Aqui é... cá!...
por Túlio Milman, no Zero Hora (ai, ai, ai...) e reproduzido no IHU (de onde pesquei)
É estarrecedor. Netos e bisnetos de imigrantes torcendo o nariz para a imigração haitiana. Ainda mais no Brasil. Ainda mais no Rio Grande do Sul. Durante a semana, ao apoiar o acolhimento aos caribenhos, ouvi de tudo. “Ignorante, mal-informado, mal-intencionado.” Senti vergonha de ler o que li e de ouvir o que ouvi. Não por mim. Estou acostumado às críticas. Senti vergonha pelo passado. Talvez porque conheça bem duas histórias.
A primeira é do Haiti contemporâneo. Estive lá duas vezes na condição de jornalista. Em 1995, pensei: “Impossível piorar”. Quando voltei, em 2009, vi que eu estava errado assim que desembarquei em Porto Príncipe.
A segunda história que conheço bem é a da minha família – a mesma das famílias de milhões de gaúchos. Imigrantes miseráveis, sem dinheiro e cheios de esperança que cruzaram o mar e o mundo em busca de uma nova vida. Aqui chegaram, aqui foram acolhidos, aqui viraram iguais aos outros e iguais entre si.
Os tempos eram outros, argumentam. Sim, eram outros. Mas os dramas e a essência das pessoas são os mesmos. É o ângulo pelo qual enxergo a questão. O direito à liberdade é o mesmo. O sonho é o mesmo.
Quando os europeus chegaram, faltava mão de obra. Hoje, sobra. Mesmo assim, é impossível que um país tão grande não consiga organizar esse novo fluxo imigratório.
Criar incentivos para a colonização de áreas menos habitadas, estimular o preenchimento de vagas em locais onde elas estão disponíveis.
Há uma outra questão camuflada nesse debate. Camuflada, mas fundamental. O racismo. Se os novos imigrantes que chegam ao Brasil e ao Rio Grande fossem loiros de olhos claros, a celeuma seria bem menor. Mas são negros, são pobres, são sós. Têm nomes estranhos e falam uma língua estranha, o creole.
Outro dia, fui abastecer meu carro em um posto de Porto Alegre. A frentista era haitiana. Orgulhosa por estar trabalhando. Vi o brilho no olho dela. Me lembrei dos meus avós. E saí me perguntando como seres humanos podem esquecer tão rapidamente das suas próprias trajetórias.
O Haiti não é aqui.
Aqui é o Brasil.
Não temos o direito de negar a essa gente as oportunidades que nossas famílias tiveram em um passado não tão distante. Nem que tenhamos que nos sacrificar um pouco mais para isso.
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