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sexta-feira, 30 de maio de 2014

Don Quincas Brabosão: já vai tarde, a história o condenará

 

por Válber Almeida, comentarista do blog do Nassif

Numa tentativa de unificar os fatos, para mim, a aposentadoria precoce do Joaquim Barbosa é reflexo do seu isolamento, do desastre que foi e continua sendo a sua passagem pelo STF e de um lampejo de consciência: assim como Simão Bacamarte, ele percebeu que há algo de estranho quando todos em sua volta estão errados e somente ele está certo.

O isolamento do JB era o que mais se comentava nos bastidores do STF atualmente. Perdeu apoio não somente entre seus pares do STF, mas também das entidades de magistrados – que, aliás, nunca entraram na sua onda macarthista  - do Ministério Público, da OAB, das faculdades de Direito, da imprensa conservadora e até mesmo de uma entidade como a CNBB, que não se posiciona partidariamente.

Este isolamento decorreu não somente do seu estilo antidemocrático, autossuficiente e arrogante – que está comprometendo a vida inteligente no STF – mas também dos danos à democracia e ao Estado de Direito que sua atuação vem produzindo. De fato, o julgamento “fora da curva” foi inconstitucional desde o princípio, e se tratou de uma aventura perigosa contra a democracia orquestrada pela cúpula do judiciário – STF e PGR – em conluio com a imprensa conservadora e partidos de direita. Fora isso, nenhuma outra instituição endossou esta loucura. Os magistrados das instâncias inferiores, que já sentem bastante dificuldade de trabalhar com as doutrinas e códigos legais consagrados, perceberam imediatamente que sobraria para eles, que a aventura golpista do STF comprometia o próprio sistema jurídico nacional e lançava o Brasil numa imensa insegurança jurídica: para continuar sendo chamado de Sistema Jurídico, o judiciário pátrio precisaria minimamente se alinhar às orientações doutrinárias, técnicas e legais do STF: caso isso não ocorresse, o sistema deixaria de existir, pois passaria a operar de modo esquizofrênico; se ocorresse, colocaria sob suspeição meio Brasil, passaria a representar uma ameaça à cúpula executiva das grandes empresas, públicas e privadas, aos poderes constituídos, autarquias etc. e mergulharia o Brasil numa ditadura jurídica. Era a síndrome de Simão Bacamarte transposta da psiquiatria para a justiça. As consequências seriam imprevisíveis. A ameaça se tornou mais séria depois dos últimos sobressaltos do JB como carcereiro da Papuda. Com sua interpretação figadal da LEP para proibir o trabalho externo dos seus presos, lançou uma nuvem sombria sobre o Sistema Carcerário Brasileiro.

Deve-se considerar, também, os prejuízos à formação jurídica no Brasil. Os estudantes de Direito estavam presenciando o pisoteamento de tudo aquilo que estavam estudando ou estudaram em termos de doutrinas, princípios e de leis do Direito Moderno, além de cláusulas pétreas da Constituição – como o direito à ampla defesa – ou da justiça – como o in dubio pro reu etc. Professores de Direito com décadas de dedicação à causa jurídica e que condenaram os abusos do STF e de JB estavam sendo hostilizados por alunos acríticos, irracionais e tragados pela euforia catártica na qual a corte suprema e a imprensa nada democrática meteu nossa Pindorama.

Joaquim Barbosa se comportou como Simão Bacamarte neste episódio todo do tal “mensalão”. Assim como o personagem de Machado de Assis forçava a interpretação das teorias psiquiátricas para encaixar as diferentes personalidades num quadro clínico patológico e afirmar a sua própria personalidade como padrão de normalidade, JB forçou a interpretação do Direito e de doutrinas jurídicas – interpretações que a própria hermenêutica jurídica não autorizava – para afirmar apenas a sua própria personalidade, o seu ego e sua suposta superioridade intelectual. Com isso, acabou solapando os limites do seu poder e se colocando acima das instituições, numa grave afronta à democracia. Com o isolamento, veio a queda na realidade, percebeu que não é tão autossuficiente assim e que tinha ido longe demais.

JB será homenageado, terá exaltadas as suas supostas qualidades e supostas contribuições. Porém, tudo não passará de mero jogo de aparências, formalidades diplomáticas que visam muito mais livrar o STF de um desgaste ainda maior da sua imagem do que, efetivamente, homenagear alguém que não tem pelo que ser homenageado. Nos bastidores das universidades, da magistratura, da promotoria, da advocacia é majoritária a posição de que a atuação de JB no STF foi desastrosa e produziu muitos estragos.

O mote dos estudos sobre o legado jurídico de JB no STF foi dado pelo Marcos Vinícius Coelho, presidente nacional da OAB: a jurisprudência do ódio. Isto é, será estudado muito mais como um caso de psicologia ou psiquiatria jurídica do que como jurista. Eu apenas lamento. É uma pena, torci desde o início para que a passagem do JB pelo STF representasse um ponto fora da curva para melhor, mas ele esqueceu o Direito Moderno para fazer justiciamento com base num código moral medieval e hipócrita, associou-se ao poder colonial que jamais conviveu bem com a democracia e quase lançou o Brasil nos braços sombrios de outro regime de exceção. Haverá muita coisa para ser feita depois que JB deixar a presidência do STF. O Brasil precisa voltar à normalidade jurídica.

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