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quarta-feira, 22 de abril de 2015

A Grécia deve pagar sua dívida?...



por Renaud Lambert, excerto garimpado no Le Monde Diplomatique


Os juristas se referem a essa obrigação usando uma forma latina – Pacta sunt servanda (As condições devem ser respeitadas) –, mas durante as últimas semanas circularam as mais diversas traduções dela. Versão moralizadora: “A Grécia tem o dever ético de pagar sua dívida” (Front National). Versão nostálgica dos playgrounds: “A Grécia deve pagar, são as regras do jogo” (Benoît Coeuré, membro da direção do Banco Central Europeu). Versão insensível às suscetibilidades populares: “As eleições não mudam nada” em relação aos compromissos dos Estados (Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão).

A dívida helênica beira os 320 bilhões de euros; proporcionalmente à produção de riqueza, ela saltou 50% desde 2009. Segundo o Financial Times, “para pagá-la a Grécia teria de funcionar como uma economia escrava” (27 jan. 2015).

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Um em cada dois jovens gregos está desempregado; 30% da população vive abaixo do limite de pobreza; 40% passaram o inverno sem aquecimento. Uma parte da dívida foi gerada sob a ditadura dos coronéis (1967-1974), durante a qual ela quadruplicou; outra foi contraída em prejuízo da população (posto que visou amplamente ao fornecimento de fundos para estabelecimentos de crédito franceses e alemães); outra decorre diretamente da corrupção dos dirigentes políticos por transnacionais desejosas de vender seus produtos, por vezes defeituosos, em Atenas (como a empresa alemã Siemens); sem falar das ignomínias de bancos como o Goldman Sachs, que ajudou o país a disfarçar sua fragilidade econômica... Os gregos dispõem de mil e uma justificativas para recorrer ao direito internacional e atenuar o fardo de uma dívida que uma auditoria classificaria como odiosa, ilegítima e ilegal. Mas a aplicação do direito repousa quase sempre na natureza da correlação de forças entre as partes.

Em 1898, os Estados Unidos declararam guerra à Espanha dando como justificativa uma explosão a bordo do USS Maine, que estava fundeado no porto de Havana. Eles “libertaram” Cuba, que transformaram em protetorado – reduzindo a “independência e a soberania da República cubana ao estado de mito”, segundo o general cubano Juan Gualberto Gómez, que havia tomado parte na guerra da independência. A Espanha exigiu o pagamento de dívidas que a ilha tinha “contraído com ela” – no caso, os custos de sua agressão. A Coroa se apoiou sobre aquilo que Coeuré teria sem dúvida chamado de “as regras do jogo”. Como lembra a pesquisadora Anaïs Tamen, “a exigência espanhola se apoiava em fatos análogos, sobretudo o comportamento de suas ex-colônias que haviam tomado a seu encargo a parte da dívida pública que servira à colonização delas”. Os próprios Estados Unidos não tinham “entregue mais de 15 milhões de libras esterlinas ao Reino Unido na independência”?

Washington não entendeu as coisas dessa maneira e avançou uma ideia até então pouco divulgada (que contribuiria para fundamentar a noção de dívida odiosa): não se deveria exigir que uma população pagasse uma dívida contraída para escravizá-la. A imprensa norte-americana retransmitiu a firmeza dessa posição: “A Espanha não deve sustentar a menor esperança de que os Estados Unidos sejam suficientemente estúpidos ou inertes para aceitar a responsabilidade de somas que serviram para exaurir os cubanos”, bradou o Chicago Tribune de 22 de outubro de 1898. Cuba não despenderia um centavo.

Alguns anos antes, o México havia tentado desenvolver argumentos semelhantes. Em 1861, o presidente Benito Juárez suspendeu o pagamento da dívida, em grande parte contraída pelos regimes precedentes, entre os quais o do ditador Antonio López de Santa Anna. A França, o Reino Unido e a Espanha ocuparam o país e fundaram um império que entregaram a Maximiliano da Áustria.

Uma redução de 90% para a Alemanha

À imagem da URSS, que anunciou em 1918 que não pagaria as dívidas contraídas por Nicolau II, os Estados Unidos reiteraram seu golpe em benefício do Iraque no início do século XXI. Alguns meses após a invasão do país, o secretário do Tesouro, John Snow, anunciou na Fox News: “Obviamente, o povo iraquiano não deve ser oprimido pelas dívidas contraídas em benefício do regime de um ditador agora em fuga” (11 abr. 2003). A urgência, para Washington: assegurar a solvência do poder que estabeleceu em Bagdá.

Emergiu então uma ideia que deixaria estupefatos os defensores da “continuidade dos compromissos dos Estados”: o pagamento da dívida dependeria menos de uma questão de princípio que de matemática. “O mais importante é que a dívida seja sustentável”, desafiava um editorial do Financial Times em 16 de junho de 2003. A lógica foi conveniente para Washington, que não quis se referir ao conceito de dívida odiosa: as cifras falaram, e os Estados Unidos asseguraram que seu veredicto pudesse se impor aos olhos dos principais credores do Iraque, sendo a França e a Alemanha os mais importantes deles (com respectivamente US$ 3 bilhões e US$ 2,4 bilhões em títulos em seu poder). Apressados em se mostrar “justos e flexíveis”, estes – que se recusavam a anular mais de 50% do valor dos títulos que detinham – concederam finalmente uma redução de 80% de suas dívidas.

Três anos antes, nem a lei das cifras nem a do direito internacional tinham sido suficientes para convencer os credores de Buenos Aires a dar uma prova de “flexibilidade”. No entanto, culminando em cerca de 80 bilhões de euros quando da falta de pagamento, em 2001, a dívida argentina se mostrou insustentável. Ela decorria de endividamentos adicionais em grande parte realizados pela ditadura (1976-1983), o que a qualificava como "dívida odiosa". Sem problema: os credores exigiram ser pagos, sem o que iriam fechar a porta dos mercados financeiros para Buenos Aires.

A Argentina se manteve firme. Prometiam-lhe a catástrofe? Entre 2003 e 2009, sua economia registrou uma taxa de crescimento que oscilava entre 7% e 9%. Entre 2002 e 2005, o país propôs aos credores trocar seus títulos por novos, com um valor 40% mais fraco. Mais de três quartos aceitaram, demonstrando desagrado. Mais tarde, o governo abriu novas negociações, que culminaram, em 2010, em uma nova troca de títulos junto a 67% dos credores restantes. Oito por cento dos títulos com pagamento suspenso desde 2001 não foram, no entanto, objeto de acordo. Fundos abutres se empenham hoje em dia em fazê-los serem pagos e ameaçam conduzir a Argentina a um novo calote.

Os credores aceitam, portanto, de má vontade a perda do valor dos títulos que detinham. Esse foi o caso da conferência internacional que visava aliviar a dívida da República Federal da Alemanha (RFA), que ocorreu em Londres entre 1951 e 1952. Os debates da época lembram aqueles que envolvem a Grécia contemporânea, a começar pela contradição entre “princípios” e bom senso econômico.

“Milhares de dólares estão em jogo”, lembrou o jornalista Paul Heffernan, que acompanhou os debates para o New York Times. “Mas não se trata unicamente de uma questão de dinheiro. As conferências do palácio de Lancaster House vão antes de tudo tratar de um dos princípios vitais do capitalismo internacional: a natureza sacrossanta dos contratos internacionais” (24 fev. 1952). Com essas preocupações em mente, os negociadores – sobretudo norte-americanos, britânicos, franceses e alemães – entendiam igualmente as da Alemanha. Numa mensagem de 6 de março de 1951, o chanceler Konrad Adenauer recomendou com insistência a seus interlocutores que “levassem em conta a situação econômica da República Federal”, “notadamente o fato de que o encargo de sua dívida cresce e sua economia se contrai”. Como resumiu o economista Timothy W. Guinnane, todos logo concluíram que “reduzir o consumo alemão não constituía uma solução válida para garantir o pagamento de sua dívida”.

Um acordo foi finalmente assinado em 27 de fevereiro de 1953. Ele previa uma redução de no mínimo 50% dos montantes tomados de empréstimo pela Alemanha entre as duas guerras mundiais; uma moratória de cinco anos para o pagamento das dívidas; um adiamento indefinido das dívidas de guerra que poderiam ter sido reclamadas em Bonn, o que levou Éric Toussaint, da Comissão para a Anulação da Dívidado Terceiro Mundo (CADTM), a estimar a redução das dívidas alemãs em 90%; a possibilidade de Bonn pagar em sua própria moeda; um limite para os montantes consagrados ao serviço da dívida (5% do valor das exportações do país) e para a taxa de juro paga pela Alemanha (também 5%). E não era só isso. Preocupados, esclarece Heffernan, “que tal acordo fosse apenas o prelúdio de um esforço visando aguilhoar o crescimento alemão”, os credores forneceram à produção germânica as oportunidades de que ela precisava e desistiram de vender seus próprios produtos à República Federal. Para o historiador da economia alemã Albrecht Ritschl, “essas medidas salvaram o dia em Bonn e criaram as bases financeiras do milagre econômico alemão” dos anos 1950.

Há muitos anos, o Syriza – no poder na Grécia após as eleições de 25 de janeiro de 2015 – pede para se beneficiar de uma conferência desse tipo. No seio das instituições de Bruxelas, parece, no entanto, que se partilha o sentimento de Leonid Bershidsky: “A Alemanha merecia que aliviassem sua dívida; a Grécia, não”. Numa coluna publicada em 27 de janeiro de 2015, o jornalista do grupo Bloomberg desenvolveu sua análise: “Uma das razões pelas quais a Alemanha Ocidental se beneficiou de uma redução de sua dívida foi o desejo de que a República Federal se tornasse uma defesa de linha de frente na luta contra o comunismo. [...] Os governos alemão-ocidentais que se beneficiaram dessas medidas eram definitivamente antimarxistas”.

O programa do Syriza nada tem de “marxista”. A coalizão reivindica uma forma de social-democracia moderada, comum há algumas décadas. De Berlim a Bruxelas, parece, no entanto, que ela se tornou intolerável.

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