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sábado, 24 de novembro de 2012

Economia Verde - Histórico de Desenvolvimento e o paradigma de dominação



por Michael F. Schmidlehner(*) – trecho do documentário O Acre que os Mercadores da Natureza escondem

Em meados da década de 1940, Theodor W. Adorno e Max Horckheimer, após terem fugido do Holocausto alemão para a Califórnia, investigaram os processos sociais que haviam possibilitado a erupção do nacional socialismo e analisaram a busca histórica da sociedade moderna de livrar-se do poder dos mitos e construir um mundo baseado na racionalidade.

Em sua crítica do esclarecimento (Horckheimer, Adorno, 1985) eles demonstram que este projeto é sentenciado a falhar, que a ideia da libertação do homem pela racionalidade inevitavelmente recai no mito, e que uma sociedade que se entende como esclarecida não é imune ao totalitarismo.

Horckheimer e Adorno ainda analisaram o entrelaçamento antagônico, a relação dialética específica, que cada sociedade possui com a natureza. O elemento que caracteriza a relação com a natureza, tanto dos regimes fascistas, quanto das sociedades “racionais” capitalistas foi descrito por eles como paradigma de dominação da natureza.

Enquanto os dois filósofos exilados nos Estados Unidos ainda refletiam sobre as causas das recém passadas atrocidades do Nazismo, realizou-se neste mesmo país uma reunião de governantes de 44 países que reorganizaria a futura ordem econômica global e daria início a novas formas de violência no mundo. Na conferência de Bretton Woods em 1944 foram decididos a criação do Banco Mundial e do Fundo Internacional Monetário (FMI). O dólar estadunidense foi, através de um sistema de taxas fixas de câmbio entre as moedas, estabelecido internacionalmente como moeda de reserva. As medidas tomadas nesta reunião pavimentaram o caminho para a expansão do sistema capitalista em âmbito global que se daria nas décadas seguintes.

Na sua fala inaugural no ano 1949, o presidente Harry Truman enfatizou a responsabilidade dos países ricos de combater a pobreza no resto do mundo. Eles deveriam auxiliar os países que até então não faziam parte do sistema capitalista – e a partir de agora foram declarados de forma indiferenciada “pobres” – através do desenvolvimento econômico. Justificado e impulsionado por este discurso de desenvolvimento (Escobar 1995), o modelo de economia estadunidense, de consumo e de produção em massa, baseado principalmente na queima de combustíveis fósseis, chamado de Fordismo – em referência ao fabricador de automóveis Ford – reproduziu-se e se multiplicou no mundo inteiro. Iniciou-se assim um inédito ataque à natureza e às sociedades consideradas “subdesenvolvidas”.

Megaprojetos infraestruturais foram implementados para facilitar a exploração dos recursos naturais, e promovida a abertura de mercados de consumo nos países periféricos, enquanto o valor foi agregado nos países centrais. 

Sustentabilidade – reformulando o discurso 

Na década de 1970, os desastrosos impactos ambientais do desenfreado crescimento econômico não puderam mais ser ignorados. Começou a se articular a partir da sociedade no mundo inteiro o movimento ambientalista.

Este movimento inicialmente reivindicou uma mudança de paradigma, a partir do entendimento que crise ambiental vinha sendo causada pelo consumismo nos países centrais e pela sede de extrair matérias primas para suas indústrias.

Os governos também tinham que reagir. Inúmeros estudos foram elaborados por especialistas ambientais, tornando assim a discussão mais técnica e, aos poucos, afastando-a da sociedade. As Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas ganharam importância e se tornaram os principais protagonistas do discurso ambientalista. Entre os grandes estudos encomendados pelos governos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) destaca-se o Relatório Brundtland. Este relatório, publicado em 1987 sob o título “Nosso Futuro Comum”, introduziu o conceito do desenvolvimento sustentável, com a argumentação de que meio ambiente e crescimento econômico podem e devem ser vistos como não conflitantes. A partir daí começou, em torno do novo conceito, um processo de profunda reformulação do discurso ambientalista, adaptando-se gradativamente aos interesses dominantes e afastando-o da ideia de uma mudança paradigmática. 

Consenso de Washington 

Nos arranjos da economia global houve novamente uma importante reorganização a partir da década de 1980. As instituições fundadas em Bretton Woods – FMI e Banco Mundial – tomaram juntas com o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos uma série de medidas, também conhecidas como o Consenso de Washington, visando a maior abertura de mercados e a flexibilização do capital. As conseqüentes ondas de privatização e a expansão do raio de ação de empresas multinacionais deram início à era do neoliberalismo. Os governos, sob guia dos Estados Unidos, pareciam apostar naquilo que chamaram a “autorregulação dos mercados”. A velocidade das vendas e compras de novos instrumentos financeiros como Futures, Swaps, Hedge Funds etc, aumentou muito com o uso de sistemas computadorizados. Entretanto, a flexibilização do capital não causou o equilíbrio dos mercados, mas ao contrário, criou bolhas [especulativas e irreais] de mercado, que mais tarde causariam o colapso de economias nacionais [inclusive da parte central do mundo moderno, incluindo EUA e Europa].

Paralelamente, [ocorre] a expansão dos direitos de propriedade intelectual, inclusive permitindo patentes sobre seres vivos e a harmonização destes direitos em âmbito global, foi promovida, viabilizando a apropriação e monopolização de recursos genéticos, ou seja, abrindo as portas para a Biopirataria.

Regulação pós-fordista 

Neste contexto, de novos mecanismos de acumulação de capital, situam-se os dois principais acordos que foram criados na Eco 92, a Convenção do Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Se por um lado estas convenções procuraram ganhar controle sobre os desequilíbrios que o capitalismo vem causando na natureza e nas sociedades, por outro lado, elas refletem e consolidam os pressupostos da economia neoliberal e aquilo que foi descrito como a regulação pós-fordista da natureza (Brand Görg 2003), reafirmando assim o paradigma da dominação.

O predomínio do interesse comercial no âmbito da ONU ficou ainda mais óbvio no processo que lidou com a inclusão das florestas no Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL) do protocolo de Quioto, em 2010, como instrumento de compensação de parte das emissões dos países industrializados. Esta inclusão deu início aos projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD). Não obstante o fato de 80% das emissões serem provenientes das indústrias e apenas cerca de 20% de desmatamento ou degradação florestal, o ônus de consertar o clima foi invertido, atribuindo-o aos povos das florestas e, gradualmente, isentando as indústrias poluidoras desta responsabilidade. A instrumentalização das florestas como sumidouro de carbono representa mais uma ameaça para os direitos e territórios dos povos indígenas e comunidades locais.

A intenção estratégica da Economia Verde

Ao longo das últimas três décadas esses processos criaram as condições para que a natureza se torne agora a base de um novo sistema de acumulação de capital.

Este novo sistema – de forma vaga e trivializada chamado Economia Verde – não só deverá viabilizar o contínuo crescimento das indústrias exploradoras e poluidoras, mas, sobretudo, acarretará na invenção de uma gama de novos produtos financeiros, em grande parte baseados em diversos tipos de eco-créditos.

Estes eco-créditos, gerados a partir dos serviços ambientais, tais como sequestro de carbono, primeiramente serão adquiridos por indústrias poluidoras ou governos e empresas multinacionais que, através de megaprojetos, causam danos para o meio ambiente ou para comunidades locais. Eles conseguem assim compensar suas emissões ou impactos socioambientais. Desta forma, a lógica pós-fordista da flexibilização e desterritorialização se estende – além da flexibilização do capital financeiro e da mão de obra – até os processos naturais que, agora redefinidos como “serviços” se tornam intercambiáveis e desvinculados do território. Qualquer degradação ambiental poderá ser compensada através de eco-créditos gerados em algum outro lugar do mundo. Em uma segunda etapa, os créditos serão vendidos e comprados nas bolsas de valores para atrair o capital especulativo.

Quais são realmente os motivos para a promoção da Economia Verde pelas grandes ONGs em parceria com as multinacionais e propostas pelos governos no âmbito da ONU? Observando o avanço das práticas neoliberais destrutivas e excludentes no mundo inteiro nas últimas décadas, dificilmente podemos acreditar que se trata da genuína preocupação com sustentabilidade e erradicação de pobreza, que visaria – como especifica a Iniciativa de Economia Verde do Programada de Meio Ambiente das Nações Unidas: equidade, bem-estar social e humano, reduzindo significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica (PNUMA 2011).


(*) Filósofo austríaco formado pela Universidade de Viena, vive no Acre desde 1995

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