Em meados da década de 1940, Theodor W. Adorno
e Max Horckheimer, após terem fugido do Holocausto alemão para a Califórnia,
investigaram os processos sociais que haviam possibilitado a erupção do
nacional socialismo e analisaram a busca histórica da sociedade moderna de
livrar-se do poder dos mitos e construir um mundo baseado na racionalidade.
Em sua crítica do esclarecimento (Horckheimer,
Adorno, 1985) eles demonstram que este projeto é sentenciado a falhar, que a
ideia da libertação do homem pela racionalidade inevitavelmente recai no mito,
e que uma sociedade que se entende como esclarecida não é imune ao
totalitarismo.
Horckheimer e Adorno ainda analisaram o
entrelaçamento antagônico, a relação dialética específica, que cada sociedade
possui com a natureza. O elemento que caracteriza a relação com a natureza,
tanto dos regimes fascistas, quanto das sociedades “racionais” capitalistas foi
descrito por eles como paradigma de dominação da natureza.
Enquanto os dois filósofos exilados nos Estados
Unidos ainda refletiam sobre as causas das recém passadas atrocidades do
Nazismo, realizou-se neste mesmo país uma reunião de governantes de 44 países
que reorganizaria a futura ordem econômica global e daria início a novas formas
de violência no mundo. Na conferência de Bretton Woods em 1944 foram decididos
a criação do Banco Mundial e do Fundo Internacional Monetário (FMI). O dólar
estadunidense foi, através de um sistema de taxas fixas de câmbio entre as
moedas, estabelecido internacionalmente como moeda de reserva. As medidas
tomadas nesta reunião pavimentaram o caminho para a expansão do sistema
capitalista em âmbito global que se daria nas décadas seguintes.
Na sua fala inaugural no ano 1949, o presidente
Harry Truman enfatizou a responsabilidade dos países ricos de combater a
pobreza no resto do mundo. Eles deveriam auxiliar os países que até então não
faziam parte do sistema capitalista – e a partir de agora foram declarados de
forma indiferenciada “pobres” – através do desenvolvimento econômico.
Justificado e impulsionado por este discurso de desenvolvimento (Escobar
1995), o modelo de economia estadunidense, de consumo e de produção em massa,
baseado principalmente na queima de combustíveis fósseis, chamado de Fordismo
– em referência ao fabricador de automóveis Ford – reproduziu-se e se
multiplicou no mundo inteiro. Iniciou-se assim um inédito ataque à natureza e
às sociedades consideradas “subdesenvolvidas”.
Megaprojetos infraestruturais foram
implementados para facilitar a exploração dos recursos naturais, e promovida a
abertura de mercados de consumo nos países periféricos, enquanto o valor foi
agregado nos países centrais.
Sustentabilidade – reformulando o discurso
Na década de 1970, os desastrosos impactos
ambientais do desenfreado crescimento econômico não puderam mais ser ignorados.
Começou a se articular a partir da sociedade no mundo inteiro o movimento
ambientalista.
Este movimento inicialmente reivindicou uma
mudança de paradigma, a partir do entendimento que crise ambiental vinha sendo
causada pelo consumismo nos países centrais e pela sede de extrair matérias
primas para suas indústrias.
Os governos também tinham que reagir. Inúmeros
estudos foram elaborados por especialistas ambientais, tornando assim a
discussão mais técnica e, aos poucos, afastando-a da sociedade. As Organizações
Não Governamentais (ONGs) ambientalistas ganharam importância e se tornaram os
principais protagonistas do discurso ambientalista. Entre os grandes estudos
encomendados pelos governos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU)
destaca-se o Relatório Brundtland. Este relatório, publicado em 1987 sob o
título “Nosso Futuro Comum”, introduziu o conceito do desenvolvimento
sustentável, com a argumentação de que meio ambiente e crescimento econômico podem e devem ser vistos
como não conflitantes. A partir daí começou, em torno do novo conceito, um
processo de profunda reformulação do discurso ambientalista, adaptando-se
gradativamente aos interesses dominantes e afastando-o da ideia de uma mudança
paradigmática.
Consenso de Washington
Nos arranjos da economia global houve novamente
uma importante reorganização a partir da década de 1980. As instituições
fundadas em Bretton Woods – FMI e Banco Mundial – tomaram juntas com o
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos uma série de medidas, também
conhecidas como o Consenso de Washington, visando a maior abertura de mercados
e a flexibilização do capital. As conseqüentes ondas de privatização e a
expansão do raio de ação de empresas multinacionais deram início à era do
neoliberalismo. Os governos, sob guia dos Estados Unidos, pareciam apostar
naquilo que chamaram a “autorregulação dos mercados”. A velocidade das vendas e
compras de novos instrumentos financeiros como Futures, Swaps, Hedge Funds
etc, aumentou muito com o uso de sistemas computadorizados. Entretanto, a
flexibilização do capital não causou o equilíbrio dos mercados, mas ao
contrário, criou bolhas [especulativas e irreais] de mercado, que mais tarde causariam o colapso de
economias nacionais [inclusive da parte central do mundo moderno, incluindo EUA e Europa].
Paralelamente, [ocorre] a expansão dos direitos de
propriedade intelectual, inclusive permitindo patentes sobre seres vivos e a
harmonização destes direitos em âmbito global, foi promovida, viabilizando a apropriação e
monopolização de recursos genéticos, ou seja, abrindo as portas para a
Biopirataria.
Regulação pós-fordista
Neste contexto, de novos mecanismos de
acumulação de capital, situam-se os dois principais acordos que foram criados
na Eco 92, a Convenção do Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(UNFCCC) e a Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Se por um lado estas
convenções procuraram ganhar controle sobre os desequilíbrios que o capitalismo
vem causando na natureza e nas sociedades, por outro lado, elas refletem e
consolidam os pressupostos da economia neoliberal e aquilo que foi descrito
como a regulação pós-fordista da natureza (Brand Görg 2003), reafirmando
assim o paradigma da dominação.
O predomínio do interesse comercial no âmbito
da ONU ficou ainda mais óbvio no processo que lidou com a inclusão das
florestas no Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL) do protocolo de Quioto, em 2010,
como instrumento de compensação de parte das emissões dos países
industrializados. Esta inclusão deu início aos projetos de Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD). Não obstante o fato de 80% das
emissões serem provenientes das indústrias e apenas cerca de 20% de
desmatamento ou degradação florestal, o ônus de consertar o clima foi
invertido, atribuindo-o aos povos das florestas e, gradualmente, isentando as
indústrias poluidoras desta responsabilidade. A instrumentalização das
florestas como sumidouro de carbono representa mais uma ameaça para os direitos
e territórios dos povos indígenas e comunidades locais.
A intenção estratégica da Economia Verde
Ao longo das últimas três décadas esses
processos criaram as condições para que a natureza se torne agora a base de um
novo sistema de acumulação de capital.
Este novo sistema – de forma vaga e
trivializada chamado Economia Verde – não só deverá viabilizar o contínuo
crescimento das indústrias exploradoras e poluidoras, mas, sobretudo,
acarretará na invenção de uma gama de novos produtos financeiros, em grande parte
baseados em diversos tipos de eco-créditos.
Estes eco-créditos, gerados a partir dos
serviços ambientais, tais como sequestro de carbono, primeiramente serão
adquiridos por indústrias poluidoras ou governos e empresas multinacionais que,
através de megaprojetos, causam danos para o meio ambiente ou para comunidades
locais. Eles conseguem assim compensar suas emissões ou impactos
socioambientais. Desta forma, a lógica pós-fordista da flexibilização e
desterritorialização se estende – além da flexibilização do capital financeiro
e da mão de obra – até os processos naturais que, agora redefinidos como
“serviços” se tornam intercambiáveis e desvinculados do território. Qualquer
degradação ambiental poderá ser compensada através de eco-créditos gerados em
algum outro lugar do mundo. Em uma segunda etapa, os créditos serão vendidos e
comprados nas bolsas de valores para atrair o capital especulativo.
Quais são realmente os motivos para a promoção
da Economia Verde pelas grandes ONGs em parceria com as multinacionais e
propostas pelos governos no âmbito da ONU? Observando o avanço das práticas
neoliberais destrutivas e excludentes no mundo inteiro nas últimas décadas,
dificilmente podemos acreditar que se trata da genuína preocupação com
sustentabilidade e erradicação de pobreza, que visaria – como especifica a
Iniciativa de Economia Verde do Programada de Meio Ambiente das Nações Unidas:
equidade, bem-estar social e humano, reduzindo significativamente os riscos
ambientais e a escassez ecológica (PNUMA 2011).
(*) Filósofo austríaco formado pela Universidade de Viena, vive
no Acre desde 1995
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