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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Grécia – o Alfa e o Omega?...









Texto de Leonardo Boff, na revista Fórum 


com complementos deste Clarim indígena (em itálico entre parênteses) e nas notas ao final do texto



Nossa civilização ocidental hoje mundializada tem sua origem histórica na Grécia do Século 6 antes de nossa era. Ruíra o mundo do mito e da religião que era o eixo organizador da sociedade. Para pôr ordem àquele momento crítico, fez-se, num lapso de pouco mais de 50 anos, uma das maiores criações intelectuais da humanidade. Surgiu a Era da razão crítica que se expressou pela filosofia, pela política, pela democracia, pelo teatro, pela poesia e pela estética. Figuras exponenciais foram Sócrates, Platão, Aristóteles e os sofistas que gestaram a arquitetônica do saber, subjacente ao nosso paradigma civilizacional: foi Péricles como governante à frente da democracia; foi Fídias da estética elegante; foram os grandes autores das tragédias como Sófocles, Eurípides e Ésquilo; foram os jogos olímpicos e outras manifestações culturais que não cabe aqui referir.

Esse paradigma se caracteriza pelo predomínio da razão que deixou para trás a percepção do Todo, o sentido da unidade da realidade que caracterizava os pensadores chamados pré-socráticos, os portadores do pensamento originário (1). Agora se introduzem os famosos dualismos: mundo-Deus, homem-natureza, razão-sensibilidade, teoria-prática. A razão criou a metafísica que na compreensão de Heidegger faz de tudo objeto e se instaura como instância de poder sobre este objeto. O ser humano deixa de se sentir parte da natureza para se confrontar com ela e submetê-la ao projeto de sua vontade, (este um fundamento judaico-cristão de que o Homem, à semelhança de Deus, pode submeter livremente a Natureza da qual seria superior. Descartes ampliaria muito este conceito como se verá a seguir) (2).

Este paradigma ganhou sua expressão acabada mil anos depois, no século 16, com os fundadores do paradigma moderno (3), Descartes, Newton, Bacon e outros. Com eles se consagrou a cosmovisão mecanicista e dualista: a natureza de um lado e o ser humano de outro de frente e em cima dela como seu “mestre e dono” (Descartes) e coroa da criação em função do qual tudo existe. Elaborou-se o ideal do progresso ilimitado que supõe a dominação da natureza, no pressuposto de que esse progresso poderia caminhar infinitamente na direção do futuro. Nos últimos decênios (na verdade a partir do final do século XIX), a cobiça de acumular transformou tudo em mercadoria a ser negociada e consumida. Esquecemos que os bens e serviços da natureza são para todos e não podem ser apropriados apenas por alguns.

Depois de quatro séculos de vigência desta metafísica, quer dizer, deste modo de ser e de ver, verificamos que a natureza teve que pagar um preço alto para custear esse modelo de crescimento/desenvolvimento. Agora tocamos nos limites de suas possibilidades. A civilização técnico-científica chegou a um ponto em que ela pode pôr fim a si mesma, degradar profundamente a natureza, eliminar grande parte do sistema-vida e, eventualmente, erradicar a espécie humana. Seria a realização de um armagedon ecológico-social.

Tudo começou há milênios na Grécia. E agora parece terminar na Grécia, uma das primeiras vítimas do horror econômico, cujos banqueiros, para salvar seus ganhos, lançaram toda uma sociedade no desespero. Chegou à Irlanda, a Portugal, à Itália, podendo se estender à Espanha e à França e, quiçá, a todo o sistema mundial.

Estamos assistindo a agonia de um paradigma milenar que está, parece, encerrando sua trajetória histórica. Pode demorar ainda dezenas de anos, como um moribundo que resiste, mas o fim é previsível. Com seus recursos internos, não tem condições de se reproduzir.

Temos que encontrar outro tipo de relação para com a natureza, outra forma de produzir e de consumir, desenvolvendo um sentido geral de interdependência face à comunidade de vida e de responsabilidade coletiva pelo nosso futuro comum. A não encetarmos esta conversão, ditaremos para nós mesmos o veredicto de desaparecimento. Ou nos transformamos ou desapareceremos.

Faço minhas as palavras de Celso Furtado, economista-pensador: “Os homens de minha geração demonstraram que está ao alcance do engenho humano conduzir a humanidade ao suicídio. Espero que a nova geração comprove que também está ao alcance do homem abrir caminho de acesso a um mundo em que prevaleçam a compaixão, a felicidade, a beleza e a solidariedade”.


NOTAS

(1) No início da civilização o mundo era explicado apenas pelo misticismo, que misturava religião e magia em doses quase iguais. A componente magia quase não é considerado neste texto de Boff.
(2) Boff, embora correto em sua analise geral, neste parágrafo faz uma maçarocada temporal introduzindo Heidegger na analise.
(3) Só no período renascentista (século XVI em diante) a ciência passa a desempenhar um papel preponderante nas interpretações da existência no mundo europeu.
  

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